30 de dezembro de 2003

...

"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)
...

novamente vou passar o fim de ano junto do mar. me sinto clautrofóbica sempre que não passo o fim de ano junto do mar. como se me faltasse uma janela, uma saída. como se tudo de fechasse ao meu redor e me faltasse o ar. como se minha vida se fechasse sobre mim e não houvesse saída. não há saída, não há. mas o mar me ilude, o mar me diz, por via das dúvidas, há sempre a áfrica. se não for aqui, em outro lugar talvez. o mar me dá a opção que de fato não tenho: se não der certo aqui, há sempre a áfrica. atrás de algum oceano impercorrível, há sempre a áfrica. se não der certo aqui: ainda tenho a áfrica. tenho a áfrica e meus oceanos impercorríveis.

feliz ano novo. passem junto do mar, com aquilo que torna isso tudo ao menos suportável: a visão de um oceano, de uma áfrica hipotética.
...

é como se pedisse desculpas o tempo todo, por isso. por mim. por fazer você me amar, por mostrar a você esse engodo que sou e por fazer que você o ame. é como se devesse a você toda sorte de gratidão e toda sorte de arrependimento, como se estivesse cometendo o grande crime de submeter você à minha presença e de enganar você com a mentira de que minha companhia é boa. não é, claro que não é. não me cabe na cabeça que você queira estar comigo, mas não é possível, não é, não me faça de idiota: você não quer estar comigo, nem eu quero estar comigo, como alguém pode querer estar comigo? tudo não pode passar de um engano, de um equívoco, de um grande mal entendido. não é possível que você me enxergue e que você ame o que enxerga. voce deve estar enganado a meu respeito, sim, você está. porque eu sou uma grande farsa, um grande engodo. e peço desculpas pelo que sou de mentira, pelo que sou de verdade. peço desculpas o tempo todo, e por enquanto você não acredita no que peço. um dia você acreditará. para meu desespero, para meu mais absoluto desespero. um dia você acreditará.
...

"Ah, há dias admiro o esplendor destes (...) pequenos fragmentos e envergonho-me bastante de não ter sido feliz quando podia passear no meio de tudo isto, de tal abundância. Vivemos tão mal porque chegamos sempre inacabados ao presente, incapazes e dispersos em tudo. Não consigo me recordar nenhum momento da minha vida sem tais censuras e outras maiores."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)
...

por que você acha que escrevo desse jeito, por escolha? por *sigh* talento? chega a ser risível, talento, que talento? nenhum. o que escrevo NÃO É BOM, não é. não escrevo, escrever é criar, não crio nada, só repito o que já se passou no peito. registro. e o que registro tem pouco sentido porque eu não tenho muito sentido, sou desse jeito, penso desse jeito, sinto desse jeito, um jeito repetido, sem pontuação, sem métrica, sem continuidade, sem nexo, sem ordem. se fosse boa, haveria ordem. haveria um grande discurso por detrás das entrelinhas, uma grande mensagem a ser psicografada, entendida, dissecada, estudada, alguma grande mensagem que mudaria a minha vida e a sua. alguma grande visão. e não há. não há. o que digo está no raso. preste atenção, perceba: não há quase nada nas entrelinhas. não sou boa. não escrevo desse jeito por escolha. não escrevo por escolha. registro. registro. registro.
...

meu perceber é desordenado, meu sentir é desordenado. desordenado, caótico, mal gerenciado, mal administrado, mal digerido. mal alcançado. por mim, por você, pelos outros. estendo a mão e não me alcanço. eu não me alcanço. como pedir que você o faça?
...

d i  s    p     e       r          s                  a
...

"Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes

Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

29 de dezembro de 2003

...

não sei fazer uma avaliação segura deste último ano.olho pra trás e vejo fatos, fatos, fatos, uns por cima dos outros, desordenados, caóticos. como os papéis que me rodeiam por todos os lados, na escrivaninha, em cima da cama, ao lado do computador, embaixo. como meus livros. como meus cds. tudo que me rodeia é caótico. estou começanco a achar que o caos sou eu mesma.

mas enfim, não sei avaliar o ano, assim, feito todo mundo, globalmente: não sei dizer se foi um ano bom, se foi um ano ruim. foi um ano. como outros foram, como mais outros ainda serão. cumpri algumas resoluções, ignorei outras solenemente. foi bom. foi ruim. foi um ano. outros serão, se eu não sair na rua e morrer atropelada por algum veículo desgovernado daqui a cinco minutos. ou seis. ou sete. não acontecendo isso, outros anos serão. o ano que vem será.

odeio essas épocas de reavaliação, jogar o lixo fora, arrumar o que fica. sou péssima nisso. tudo acaba ficando, ficando, ficando. e ficando. a inércia, a maldita inércia. não a vencerei no ano que vem, mas prometo lutar contra ela. essa a minha primeira resolução. talvez a primeira também a ser ignorada tão logo o ano que será comece a ser. quem sabe? eu não. ano que vem eu digo. ou não.

27 de dezembro de 2003

...

"esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir"


(paulo leminski, poeta brasileiro)

25 de dezembro de 2003

...

"É tão vasta a noite na montanha. Tão despovoada. (...)

Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo, inventar um programa, frágil ponte que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo possível. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio? Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te abençoar?

É um silêncio (...) que não dorme: é insone: imóvel mas insone e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e 'diga' alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Como eu (...)? Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Mas nas noites que passei (...) não havia vento e cada folha estava incrustada no galho das árvores imóveis. Ou se fosse época de cair neve. Que é muda mas deixa rastro - tudo embranquece, as crianças riem brincando com os flocos, os passos rangem e marcam. Isso durante o dia é tão intenso que a noite ainda é povoada. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. E não se pode falar do silêncio como se fala da neve: sentiu o silêncio dessas noites? Quem ouviu não diz. Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras.

A noite (...) desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças (...) adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas lajes e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes das casas. Só um ou outro poste iluminado para iluminar o silêncio.

Mas este primeiro silêncio (...) ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.

Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da Terra e da Lua. Então ele, o silêncio, aparece. E o coração bate ao reconhecê-lo: pois ele é o de dentro da gente.

Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta - como arde (...), por ser chamada e responder; - cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Mas isto os da maçonaria sabem. Quantas horas perdi na escuridão supondo que o silêncio te julga - como esperei em vão ser julgada pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até a indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.

Até que se descobre (...) - nem a tua indignidade ele quer. Ele é o Silêncio. Ele é o Deus?

Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro da cabeceira cair no chão. Mas - horror - o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. O que mais se parecia, no domínio do som, com o silêncio, era uma flauta.

Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se nele para o Inferno? Vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite (...). Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão decomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio, não para o silêncio astral.

Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se vêem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora.

Depois nunca mais se esquece (...). Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera se pode reconhecê-lo - de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o silêncio. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia - ei-lo. E dessa vez ele é fantasma."


(Clarice Lispector, descrevendo um silêncio que - ela não sabia - é o meu)
...

clarice me falou longamente sobre o silêncio hoje. talvez eu fale a vocês. já falei. talvez eu fale mais.
...

e a vida nos cairá sobre as cabeças, disse ela, profeticamente. quando estivermos convencidos de que nada se move, então a vida se revelará com todas as suas revoluções vertiginosas que acontecem o tempo todo principalmente quando tudo parece estático. quando tudo parecer estático então a vida nos cairá sobre as cabeças. profeticamente.
...

em todos esses instantes em que tudo se põe em pausa tudo acontece. é isso a vida, esse movimento incessante sob a imobilidade, a mais absoluta imobilidade.
...

o silêncio de hoje é da solenidade de um toque de trombetas. anuncia a chegada de algo, o que? fico esperando aquilo que talvez o silêncio anuncie surgir, mas nada surge ainda. nada surge e o silêncio ainda ressoa como trombetas. e talvez não seja o soar de trombetas para uma chegada, talvez seja o oposto, talvez a derradeira homenagem a algo que parte, a extrema unção, o funeral para a morte de algo, o que? aguardo aquilo que talvez o silêncio vele ser sepultado, mas nada é sepultado ainda, os fantasmas são os vivos ainda vivos mas não vivos por muito tempo, circundando por perto mas não perto o suficiente, vigiando de longe mas não longe o suficiente. nada é sepultado ainda, os fantasmas são gente viva. e o silêncio ainda ressoa como extrema unção. o silêncio de hoje é solene, o silêncio de hoje pesa, insustentável, insuportável, o silêncio de hoje preenche tudo com tudo que não pode ser som, com seu vazio absoluto que tem forma peso som, por que não? um som sem som. um som oco de vacuidade, uma vacuidade solene. grave. anuncia, uma chegada, uma partida, algo. algo. aguardo o que é anmunciado. o que anuncia. aguardo o que. o que. o que é o vislumbre. suporto o silêncio que o precede. suporto, é a palavra chave. o silêncio hoje é algo a ser suportado.
...

há tanto, e tudo está à espreita, tudo está aguardando o momento certo, o vislumbre daquela curta janela de oportunidade, e então o bote. e não é paranóia, juro que não. em todos esses instantes em que nada acontece, em que tudo dorme e tudo se põe em pausa, a vida está em tocaia. preparando o bote. não duvidem: daqui a menos tempo do que deveria, a vida o destino a fatalidade nos cairá sobre as cabeças e tudo vai mudar. não duvidem. a vida não falha.
...

e o que me enerva é querer de você aquilo que não quero querer de você. tudo que não quero de você, não verdadeiramente. tudo isso que você não me oferece, esse tudo que me faz amar você, exatamente porque, precisamente porque. porque você não me oferece tudo. você não me oferece tudo, e eu quero tudo mas não quero tudo, e esse querer sem querer, esse querer só quando me distraio e deixo meus ares de ditadora fluirem soltos é o que me enerva. quero seu sangue, me dê seu sangue, não, não me dê seu sangue, não quero seu sangue, não de verdade. mas de madrugada, quando tudo dorme, quando tudo cala, me distraio, escapo da jaula, estou à espreita, predadora de você, de mim, quero sangue, ataco a sua jugular, me perdoe por isso, por favor, me perdoe por isso. e me aprisiono, e lambo as suas feridas. as minhas. é isso que me enerva: que as suas feridas, essas mesmas que abro em você, são minhas. também as que não abro, mas as que abro, ah, as que abro são mais minhas, bem mais minhas. e que não quero abri-las, não verdadeiramente, mas quero, como quero, abri-las, sempre que me distraio, sempre que escapo. e novamente me aprisiono, até que seja madrugada de novo, até que meu carcereiro se distraia de novo, e me liberto te firo me aprisiono. me dê seu sangue, não não não não me dê seu sangue, não quero seu sangue, não de verdade. matamos aquilo que amamos, é isso, não é isso? morremos por aquilo que amamos, nos matamos por aquilo que amamos, matamos aquilo que amamos. talvez isso seja o perdoável, isso, que eu só queira matar em você na medida do que quero matar em mim. por você, quero matar aquilo que preciso aprisionar em mim. por mim, aquilo que preciso aprisionar em mim quer matar você. e talvez tudo se equilibre no final, maybe it evens out. talvez tudo seja perdoável, por favor me perdoe, sou humana, sou falha, sou incoerente, sou fragmentada, sou contraditória, sou autodestrutiva, sou destrutiva, eu não sirvo pra nada, eu não sirvo pra ninguém, eu não sirvo pra mim, desse jeito, criminosa, prisioneira, algoz, carcereira, tudo de mim, sempre de mim. me perdoe por isso, eu não sirvo pra você, não sirvo, porque vou no seu sangue assim querendo sem querer. eu não sirvo pra você, não, então não me deixe tomar seu sangue. aqui, tome o meu. não me deixe tomar seu sangue: tome o meu.
...

"... como é diferente ver e trabalhar em outro lugar; você vê e pensa: mais tarde -. Aqui é quase o mesmo. Você volta: isto não é nada espantoso, nada notável, nada estranho: não é sequer um momento festivo; pois este já seria uma interrupção. Isto aqui, porém, toma você e prossegue com você, e segue assim em direção a tudo, no meio e através de tudo, do ínfimo e do grande. Tudo o que foi ordena-se de outro modo, alinha-se, como se alguém estivesse ali comandando, e o presente está com toda a insistência presente, como que de joelhos rezando por você ..."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)

21 de dezembro de 2003

...

vou ali na esquina e volto depois do natal. espero que o de vocês seja menos trevas que o meu. fui.

18 de dezembro de 2003

...

e a inércia. a inércia.
...

everything is so depressing right now, so bloody depressing. so so so bloody depressing.
...

o rio já teve invernos mais quentes que esse verão que se aproxima. para cada dia de sol, são cinco, seis de chuva. nada contra, tudo contra. estou deprimida e chegar em casa com a franja colada na testa e tremendo feito pinto molhado não ajuda, nunca ajuda. parece londres sem os ônibus de dois andares, sem o tâmisa, sem piccadilly circus, sem os ingleses. é londres sem o charme. depressing, so bloody depressing. e a demanda, céus, a demanda. é sempre assim, quando você não pode oferecer nada, não tem condições de oferecer nada. é sempre então, invariavelmente então que mais exigem de você. então tudo que normalmente exigiria muito de você exige muito mais de você, e tudo é mais árduo, e tudo é mais penoso, e tudo arranca mais sangue. e murphy não dá trégua, não dá, não dá. e por que tinha que chover hoje, meu deus, por quê, meu deus? deus.
...

"O preço da criação literária seria mesmo o sofrimento? Penso na minha experiência e lembro que justamente nos instantes mais agudos das minhas atribulações eu não consegui escrever uma só palavra. Mesmo depois, na convalescença, se tinha a vontade, faltava a energia, o movimento era apenas da alma. Olhava para a minha mesa como alguém com sede fica olhando um copo d'água: quer beber mas fica rodeando o copo, faz outras coisas na frente e embora pense o tempo todo na água, não faz o gesto essencial para tomá-la. Não sei dizer se os frutos colhidos mais tarde (alguns até doces) teriam vindo dessa figueira brava."

(Lygia Fagundes Telles, in A Disciplina do Amor)

17 de dezembro de 2003

...

é, não tá rolando. fim de ano é sempre uma merda pra todo mundo, ou o karma é só meu?

16 de dezembro de 2003

...

pois então, eu não sou simpática. não tento ser simpática. não sei ser simpática. algo soa falso, como se cantando eu tentasse atingir uma nota para a qual minhas cordas vocais não têm tino, como se desafinasse, e desafinasse feio. mas em meu favor, digo que eu já tentei, juro que tentei. não tem jeito. não sou gratuitamente legal. não sou falsamente efusiva. não faço social pela social. PAVOR da social, aliás.

ou seja, se eu sou um nojo com você, não é nada pessoal, não é por querer, entenda: é assim com todo mundo. e se eu não sou, então agradeça aos céus e ao bom jesus, você é um dos escolhidos pelo senhor. escolhidos do melhor jeito possível: com absoluta aleatoriedade. não que isso conte para alguma coisa. não faço muita diferença na vida de ninguém, sério. pra vocês, tanto faz. quem está ou não na minha vida em geral só faz diferença pra mim mesmo.

mas só disse isso porque sei que a maior parte das pessoas que conheço me tolera pela frente, e me descasca pelas costas. também não faz muita diferença pra mim. só sinto uma coceirinha, um incômodo muito muito vago, de tanta energia negativa que me dirigem. a vida é isso, não dá pra agradar a gregos E troianos. mas desagradar, ah, sim, isso dá. e ainda dá pra cuspir na cabeça dos espartanos, só de brinde. como sou perfeccionista, oito ou oitenta, desagrado. chuta o balde aí, que eu mando pro gol.

mas sabem que no fundo no fundo eu sou gente boa? juro que sou. mamãe sempre diz isso, minha filha, no fundo no fundo você é gente boa. mas bem no fundo. bem, beeeeeeeem no fundo. e mamãe não mente. ou mente?

15 de dezembro de 2003

...

penso em tudo que desejo dizer-te, assim mesmo, tu, mesmo que depois logo depois eu comece a te chamar de você, quem liga pra concordância adequada? dizer-lhe é tão formal, tão absolutamente impessoal, depois da cama não dá pra pensar em dizer-lhe, é dizer-te mesmo. pois então, penso no que queria dizer-te assim desse jeito, sem muita corcordância ou coerência. e quero dizer tudo, e repetir tudo, o tempo todo, o tempo todo, mesmo que o custo de dizer tudo que sinto o tempo todo seja banalizar aos seus ouvidos o tudo que sinto. mesmo que o custo de dizer tudo que sinto o tempo todo seja anestesiar você para a percepção do tudo que sinto. mesmo assim? não sei. gostaria que minhas palavras tivessem o mesmo peso da primeira vez, mas palavras são só palavras e nada tem o peso de uma primeira vez. ou tem? a verdade é que é a primeira vez o tempo todo. e por isso dizer o tempo todo, porque a coisa me atinge o tempo todo, o que sinto me atinge o tempo todo pela primeira vez, porque um homem não entra duas vezes no mesmo rio, porque tudo o que sinto me atinge num instante e eu sou uma, e no instante seguinte tudo o que sinto (perceba, já é outro tudo) me atinge e já sou outra. sou outra, o rio é outro, você é outro, tudo é outro, e digo de novo pela primeira vez. e você não ouve desse jeito, sim, claro, você identifica os padrões e os vê repetidos e repetidos e repetidos, você funcionário, eu bailarina, um passo de dança nunca é o mesmo passo ainda que haja uma coreografia qualquer. mas são só aparências, são só palavras. perceba. o tudo é outro. eu sou outra. não estou me repetindo. nunca estou me repetindo. porque palavras são só palavras e o instante é outro. encoste a mão no meu peito, sinta: o que sinto é isso e o instante é outro. sempre outro. e amo você. e são as mesmas palavras. e não estou me repetindo. o instante é outro.

11 de dezembro de 2003

...

"As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

10 de dezembro de 2003

...

"Chegou hoje cedo o pacote de livros que encomendei. Deixo o pacote fechado. Chegaram livros pelo correio. Levo-os à prateleira da estante onde está uma pequena pilha, aguardando a vez. Recolho na minha mesa as cartas e os convites que um dia vou responder e guardo-os numa pasta. Fecho a porta para o telefone. Fecho a minha porta e fico quieta no silêncio. A respiração calma. Não sei se quero escrever mas talvez queira. Aos poucos, varando paredes e telhados começam a chegar os cantos das sereias e alguns desses cantos são fascinantes, nem posso dizer que os reconheço porque estão sempre se renovando em cada onda, em cada brisa. Penso em Ulisses e faço como ele, não tapo os ouvidos com cera porque quero saber, mas me amarro com cordas ao mastro do navio enquanto se multiplicam os doces chamados tentando me desviar desta aventura. Sinto mais agudo o prazer do risco ao descobrir como tudo conspira (a palavra é essa, conspira) para me afastar da minha rota. Cravo o olhar na rosa-dos-ventos, mais intensa a ansiedade que cresce com os apelos mas sob a ansiedade a profunda alegria por estar conseguindo."

(Lygia Fagundes Telles, in A Disciplina do Amor)
...

hoje isso aqui faz um ano. foi a primeira vez na vida em que deixei registro escrito do quanto tudo muda em um ano. tudo muda em um ano. le temps détruit tout, le temps révèle tout.

vamos ver se chegaremos ao segundo ano.

8 de dezembro de 2003

BTW

tenho me achado meio repetitiva ultimamente, sem escrever o que preste. normal, normal. quiapouco a coisa melhora. enquanto isso, aturem.
...

< limaozinhomode >

é fato, tenho pavor mortal de tudo aquilo que seja muito babado. pode ser um livro, uma banda, um blog, não interessa. se uma ou duas pessoas que conheço falam bem de algo, tudo bem, fico curiosa, penso, é, vou conferir. se foram três, quatro, cinco, desconfio. mais que isso, corto da lista e não chego perto. tenho um problema com O hype. por isso ainda não parei pra ouvir los hermanos, por exemplo. por isso ainda não tentei e nem tentarei ler proust no futuro próximo (cospe pra cima, isso, vai). o hype, o hype.

há certos livros e autores cuja leitura as pessoas apresentam como credenciais. proust, nietzsche, dostoievski. um monte de outrosm, sim, but you see my point. talvez seja ponto a favor que o nome tenha quinhentas mil consoantes, quanto mais consoantes melhor. usam como um ingresso pra alguma espécie de vip area caída, o cara te diz, veja bem, já li fulano de tal, sou um iniciado. e você, nunca, né? leia, assim você vai entender isso que estou te dizendo, e pá, tapinha condescendente na sua cabeça. e dá-lhe orelha de livro pra sustentar o name dropping. quanto a mim, desses aí que citei, já li dostoievski e nietzsche, mas eu era muito nova e lembro de lhufas. dostoievski passou em branco, mas lembro que gostei de nietzsche. duvido que tenha entendido 5% do que estava escrito (como disse, eu era nova, muito nova, pequenininha lá em barbacena), e mesmo aquilo que possivelmente tenha entendido, certamente já esqueci. não lembro de livros que li ano passado, aliás. tudo me foge: o que leio, principalmente. a não ser aquilo que me marca com fogo, no sangue. tenho um imã de geladeira que me diz, todo dia de manhã enquanto tomo café: um bom livro deixa cicatrizes. o imã atribui a frase a alguém chamado gilberto dupas, de quem, confesso, nunca tinha ouvido falar antes. talvez por isso tenha vontade de descobrir se ele escreveu alguma coisa. googlarei mais tarde. talvez ele seja vivo, talvez tenha um blog, ultimamente todo mundo tem blog mesmo.

blogs, aliás, são um caso à parte. babação maciça. tenho medo de ler comentários em alguns blogs (como nesses dois, por exemplo - e nada contra os autores, que, inclusive, eu mesma leio e babo de tempos em tempos, mind you). sistemas de comentários deveriam ser abolidos nesse tipo de blog, parece que ninguém sabe admirar ninguém em silêncio, céus. e não sei como eles não deixam essa coisa de blogueiro superstar subir à cabeça: o cara posta, sei lá, uma vez por dia, tem uma média de trinta, quarenta comentários por dia, sendo que metade são coisas do tipo "aê, cara, tu é muito foda" e "pô, perfeito teu post, queria escrever tão bem quanto você". MEDO. não, não é inveja, antes que digam: acho que eu entraria em desespero se o mesmo corresse por aqui. é que é irritante. você lê um post legal, fecha os olhos e quase com medo abre a caixinha de comentários pra ver se alguém apresentou alguma colocação interessante sobre o tema, e tudo que você vê é, surpresa!, péla-saquismo. mesmo que você tenha gostado do que leu, começa a pensar, putz, também não é pra isso. o cara espirra, e todo mundo diz amém? não não não.

e, de novo, ainda bem que não é assim aqui. ainda bem que são poucos os que me lêem, e ainda melhor que é infinitamente mais ínfimo o número de leitores que se preocupa em eventualmente, muuuuuuuuito eventualmente, comentar. e quem dirá me mandar um e-mail, me catar pelo icq, nossa. não que o blog não tenha me ajudado a interagir com gente muito, muito interessante, mas putz... imagina a horda de fãs que não deve viver atrás do alexandre, por exemplo? gente que deve procurá-lo por status, pra dizer pros outros, é, pois é, conheço o alexandre, aquele do blog, é, ele é escritor, saca, somos unha e carne, o cara manda muito, cê já leu o blog, dá pra ver por ali, né? nãaaaaaao. meu autismo social agradece meu diminuto e pouco entusiasmado público. valeu, galera. me ignorem mesmo, isso é que é o quente.

acho que é como minha avó dizia, a gente fala mal na cara, fala bem pelas costas. odeio babação. quanto a mim, raramente estou no humor pra deixar um comentário onde quer que seja. até aqui, às vezes. criticando, elogiando, whatever. calo a boca se não tenho nada de minimamente relevante pra dizer. melhor dizendo, eu tento, juro que tento. pelo menos se estou dizendo algo para alguma outra pessoa. o que escrevo aqui é outro papo: nada de muito relevante, porque é pra mim. e se vocês estão lendo, problema de vocês.

ok, é isso. papas de volta à lingua.

< / limaozinhomode >
...

desbravar caminhos através do meu abismo para adentrar o seu, será que posso? será que sou capaz de sair de mim mesma para alcançá-lo? abrir sulcos na infinidade de fios a que estou presa, onde estou emaranhada, em que estou imiscuída embaraçada amalgamada. seria necessário me libertar de mim mesma para ir ao seu encontro, e se for? será que eu posso? será que poderei um dia? e sei que não, e sei que estou perpetuamente acorrentada a mim mesma, sei que é essa toda a fonte da minha angústia. sei que não haverá iluminação santidade nirvana para mim. não há nirvana para mim, não há não há. e me debato nos fios de mim mesma, e mais ainda eles me travam me sufocam me aprisionam. e ainda assim me debato. sempre e apesar de tudo. sempre me debato.

7 de dezembro de 2003

...

há algo entre uma coisa e outra coisa, eu percebo, sim, percebo. agora percebo. e esse algo é a um só tempo mínimo e infinito, interminável, imensurável, tudo é insignificante e imensurável nesse mundo de microscópios de telescópios de espaçonaves, as grandes distâncias inexistentes, as mínimas distâncias insuperáveis. um mundo atravessável em menos de um dia, mas a distância que existe no espaço entre dois corpos, ah, isso o insuperável, o abismo. o impossível de mergulhar no abismo que é o outro, há abismos entre abismos. e abismos não se atravessam, eu percebo, sim, percebo agora. abismos são respeitados, nos encaramos nos olhos, e nesse olhar nos reconhecemos como adversários à altura. nesse olhar reconhecemos a inutilidade da batalha. e nos respeitamos. insuperável a distância entre dois corpos, por intenso que seja o gozo, por intensa que seja a dor. há algo, sempre algo, entre você e eu, eu percebo, sim, percebo. agora percebo.
...

"Se me quiserem amar, terá de ser agora:
depois, estarei cansada
Minha vida
foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e fixo:
assim garanto a minha sobrevida.
Se me quiserem amar, terá de ser hoje:
amanhã, estarei mudada."


(Lya Luft, escritora brasileira)

4 de dezembro de 2003

...

"Somente o poeta juntou as ruínas
de um mundo desfeito e de novo o fez uno.
Deu fé da beleza nova, peregrina,
e, embora celebrando a própria má sina,
purificou, infinitas, as ruínas:

assim o aniquilador tornou-se mundo."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)

2 de dezembro de 2003

...

"(...) É preciso reconhecer a importância da baba, a que escorre enquanto você dorme no sofá e que, depois de acordar, tenta limpar da almofada. O tédio é uma emoção cardeal. Só quem submerge no seu visgo vive.

,

Quem diz que ama a vida não entende nada, absolutamente nada. Ora, o que é a vida senão o que se nos apresenta nas horas mortas em que, deitados, observando a brancura do teto, a teia de aranha em um dos cantos, o pontinho preto, resíduo de uma perna de mosquito morto no ano anterior, sentimos o coração pulsando para nada, em sincronicidade com a barra de inserção do editor de textos?

Eles acham que amam a vida, mas amam a outra coisa: o que colocam no lugar dela,

o movimento, as ocupações, o ruído e as ações,

para esquecer da profunda repulsa que sentem por ela. (...)"


(Marcelo Rota, do blogauti, sempre ele. o nome do post é QUEM AMA A VIDA NÃO ENTENDE NADA, assim, em maiúsculas. linkaria direto, mas não dá. aliás, tenho citado poucos blogueiros, é o que parece.)
...

"Um deus o pode. Mas, diz-me, poderia um
homem acompanhá-lo na lira acanhada?
Sua mente é discórdia e nas encruzilhadas
do coração Apolo não tem templo algum.

O canto, como o ensinas, não é o querer
nem busca do que quer que seja de atingível.
Cantar é existir. Para o deus, tão factível.
Mas nós, quando é que
somos ? Quando ao nosso ser

dará
ele de volta a terra e as estrelas?
Não
é o que amas, jovem, mesmo que forçasse
a voz em tua boca. Aprende a esquecê-las,

tais canções. Elas passam, frutos do momento.
O cantar em verdade de outro sopro faz-se.
Um sopro de nada. Um alento em Deus. Um vento."


(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)

29 de novembro de 2003

...

e eu subo às alturas, e desço às profundezas. do abismo ao firmamento ao abismo ao firmamento. ao abismo, há sempre mais abismos, há sempre mais inferno. a vertigem, sempre a vertigem. e agora que você está ao meu lado, se eu mantiver você ao meu lado, sem perceber, sem querer, vou arrastar você comigo. ao firmamento, sim. mas ao abismo, céus, o abismo. não quero não quero não quero arrastar você comigo para os infernos dos meus abismos. mas terror de que a distância entre nós aumente e aumente se você não me acompanhar a descida. se você não percorrer também meus infernos. a distância aumentará certamente, e os abismos e infernos sussurram meu nome em voz de sereia, e obedeço aos chamados, ordenando a você que me deixe, implorando a você que me siga. seja meu orfeu, não seja. não seja. não, não preciso de você para me salvar dos infernos. mas me acompanhe o percurso. ou não estaremos mais juntos quando eu for engolida pelo abismo e os portões do inferno se fecharem. me acompanhe ao abismo se você não deseja me perder para ele. e eu emergirei eventualmente. e eventualmente você emergirá comigo. se suportar o percurso. suporte o percurso comigo. e emergiremos. emergiremos.
...

por vezes beira o cruel, isso de submeter as pessoas ao convívio comigo.

28 de novembro de 2003

...

talvez seja que finalmente começo a me sentir em paz com a imagem que me encara do espelho, talvez seja isso. talvez eu finalmente esteja pronta pra permitir que ela respire. permitir que ela viva. mesmo que isso signifique não mais lutar, entende? porque eu me quero viva. e se você vier junto, melhor, tanto melhor. tanto melhor que estejamos vivos juntos em vez de nos matarmos mutuamente aos poucos. esteja comigo, esteja vivo comigo. não se mate em meu nome, não me deixe me matar em seu nome. esteja vivo comigo. porque eu finalmente me quero viva, entende? e talvez seja isso a glória. a revelação. talvez seja isso o sinal que eu aguardava. que aguardo.
...

e os outros sempre foram meus motivos para o suicídio. sempre foram meus motivos para tomar a contramão da vida, me despedaçar, me assassinar, me aniquilar, eu gosto tão pouco de mim que qualquer motivo pra me aniquilar me serve. os outros eram só nomes numa nota a explicar as razões do suicídio. e você não. e por você não me quero matar. e talvez seja que finalmente eu não me queira matar, talvez seja que finalmente comecei a me reconciliar com esse rosto no espelho que eu sempre achei tão pouco tão menos tão nada de tudo que eu queria clamava implorava desesperadamente por ver. por ser. e talvez seja que não preciso mais de desculpas pra me odiar. e talvez seja que não quero mais me odiar. e talvez seja finalmente a paz. o começo da paz. e talvez seja você. e talvez você se torne nome numa nota a explicar minha permanência. talvez você venha com o começo da paz. não quero lutar por você, não quero dar meu sangue por você, não quero a espada reta do inimigo no coração por você. quero viver, quero que você venha junto disso. a paz. quero a paz. quero que você venha com ela. venha com ela.
...

"A desistência é uma revelação.

Desisto, e terei sido a pessoa humana - é só no pior de minha condição que esta é assumida como o meu destino. Existir exige de mim o grande sacrifício de não ter força, desisto, e eis que na mão fraca o mundo cabe. Desisto, e, para a minha pobreza humana abre-se a única alegria que me é dado ter, a alegria humana. Sei disso, e estremeço - viver me deixa tão impressionada, viver me tira o sono.

Chego à altura de poder cair, escolho, estremeço e desisto, e, finalmente me votando à minha queda, despessoal, sem voz própria, finalmente sem mim - eis que tudo o que não tenho é que é meu. Desisto e quanto menos sou mais vivo, quanto mais perco o meu nome mais me chamam, minha única missão secreta é minha condição, desisto e quanto mais ignoro a senha mais cumpro o segredo, quanto menos sei mais a doçura do abismo é o meu destino. E então eu adoro."


(Clarice Lispector, in A Paixão Segundo G.H.)
...

o estranho é que sempre estive disposta a lutar. por árduo que fosse o caminho, por inatingível que fosse o cume, por impossível que fosse a vitória, sempre estive disposta a lutar. nunca me rendi. nunca desisti. a todas e cada vez, fui rendida pelo inimigo, espada reta no coração, me deixava matar, morria, mas morria lutando, nunca desisti de lutar. e ressucitava em fênix para a batalha seguinte. e lutava. e agora não. e por você não. e por isso não. e não porque você não seja digno de luta. é a luta que não me parece digna de mim. o suor as lágrimas o sangue são meus. meus. não quero mais dá-los a ela. não quero mais me dar a ela. porque sempre foi a luta, sabe? nunca foi aquilo por que lutava. sempre pela luta. sempre as desculpas. um motivo, qualquer que fosse. algum motivo pra continuar lutando. algum motivo pra me matar, pra deixar que me matassem, pra renascer das cinzas. algo que eu pudesse escrever no bilhete de suicídio. e agora não. e por você não. não vou tranformar você em motivo pra me derramar em suor, pra me esvair em sangue, pra levar a espada do inimigo reta no coração, pra me deixar matar, pra me matar, pra morrer, pra ressucitar, pra então repetir tudo de novo e de novo e de novo em nome de outro. e de outro. e não. você é mais que apenas de novo o motivo para o meu próximo suicídio. você é mais que isso. tem que ser.

a desistência é uma revelação.
...

"Jardim perdido, a grande maravilha
Pela qual eternamente em mim
A tua face se ergue e brilha
Foi esse teu poder de não ter fim,
Nem tempo, nem lugar e não ter nome.

Sempre me abandonaste à beira duma fome.
As coisas nas tuas linhas oferecidas
Sempre ao meu encontro vieram já perdidas.

Em cada um dos teus gestos sonhava
Um caminho de estranhas perspectivas,
E cadas flor no vento desdobrava
Um tumulto de danças fugitivas.

Os sons, os gestos, os motivos humanos
Passaram em redor sem te tocar,
E só os deuses vieram habitar
No vazio infinito dos teus planos."


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

27 de novembro de 2003

...

"Esgotei o meu mal, agora
Queria tudo esquecer, tudo abandonar
Caminhar pela noite fora
Num barco em pleno mar.

Mergulhar as mãos nas ondas escuras
Até que elas fossem essas mãos
Solitárias e puras
Que eu sonhei ter."


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

25 de novembro de 2003

...

"Mas é mesquinho, isso
de pensar no que não foi. Há também uma aparência
de censura na comparação que não te atinge.
O que acontece tem tamanho avanço
sobre a nossa opinião que não o alcançamos nunca
nem descobrimos como era realmente.
Não te envergonhes quando os mortos te roçarem,
os outros mortos, os que agüentaram
até o fim. (O que quer dizer fim?) Troca
o olhar com eles, tranqüilo, como de uso,
e não temas que o nosso luto te
sobrecarregue, a ponto de lhe dares na vista.
As grandes palavras de outrora, quando
acontecer não era ainda visível, não são para nós.
Quem fala de vitórias? Suportar é tudo."


(Rainer Maria Rilke, poeta alemão)

24 de novembro de 2003

...



a rosa e o infinito. agora só falta mostrar o om.
...

tenho mania de estar sempre olhando pra cima. para o céu. e com horário de verão tem sido isso, voltar pra casa a tempo de assistir a luz se dissolvendo no céu devagar à medida em que a noite avança, azul claro aos poucos se diluindo, virando azul violeta, e então azul escuro, e então azul nenhum. cor nenhuma. então a ausência de toda cor entremeada de estrelas, de alguns pontos que levam milhares e milhares de anos para que finalmente eu chegue a vê-los. a tempo de assistir a noite aos poucos cobrir o dia como uma cortina. aos poucos. muito aos poucos. o contorno das nuvens brilhando amarelo e então alaranjado e então rosado até que somem as nuvens, até que elas só se deixam perceber porque nos espaços que ocupam não enxergamos as estrelas. e tem sido isso, é sempre isso, enquanto volto pra casa.

acho que gosto do horário de verão. porque tenho essa mania besta de estar sempre olhando pra cima.

22 de novembro de 2003

...

estender minhas mãos. tocar as cicatrizes do outro, essas cicatrizes do outro que são minhas próprias cicatrizes. tocar o outro por enxergar em sua face a minha própria face refletida. em espelho. tocar aquilo que enxergo de meu no outro, exercício do mais absoluto narcisismo. estender minhas mãos para o outro porque sou o outro. porque o outro sou eu. o outro sou eu. somos nós.

21 de novembro de 2003

...

e volta e meia encontro no fundo dos olhos de outra pessoa essa minha frustração, essa minha angústia, essa minha mais absoluta solidão. essa mesma dor. essas cicatrizes, todas essas cicatrizes. e são tantas cicatrizes. e é tanta dor. e eu desejo poder fazer por ela tudo que nunca foi feito por mim, que nunca poderia ter sido feito por mim. desejo fazer por ela tudo que não pode ser feito por ninguém. cura, anestesia, lobotomia, eutanásia, chame do que quiser: mas que cesse. só desejo que pare. a dor dos outros, a minha. que tudo cesse.
...

"Não é verdade a tua solidão. A um canto,
do lado de fora, meu coração espera:
fênix dolorosa, consome-se e renasce,
fiel. Quem sabe,
quando abrires uma fresta em tua porta,
te alegrarás vendo-o aí, guardando
essa luz que se alastrará por rios sem fim
de uma geografia desconhecida:
e só os escolhidos entenderão."


(Lya Luft, escritora brasileira)

19 de novembro de 2003

...

    "tão doce, tão cedo
tão já
    tudo de novo vira começo"


(Paulo Leminski, poeta brasileiro)

18 de novembro de 2003

...

"Todos esses Anjos que à noite
agitam cortinas e sussurram frases
que temes entender:
se te tomarem nos braços,
se te beijarem na boca,
se te entrarem no corpo,
não te darão certeza de que morrer, viver,
são igualmente suaves e difíceis,
loucos e sensatos, e urgentíssimos?

Poderás enfim amar, rendendo-te àquilo
que te aflora com suas asas,
te chama com suas vozes,
te vara constantemente com essa luz,
essa dor."


(Lya Luft, escritora brasileira)
...

isso vai terminar. vai terminar, ouviu? acho bom que tenha ouvido. e se ouviu, então me diga de novo. e de novo. porque já não ouço, não ouço mais nada, ouço minha respiração, ouço sua respiração, não ouço mais nada. nada. eu me perco, já me perco no que sei e deixo de saber. já me esqueço. esqueço, me esqueço, vencida, vencida em tudo aquilo que busco proteger, por tudo aquilo que eu quero, que eu quero tanto e tanto. vencida em tudo por tudo sempre, tudo me vence sempre sempre o tempo todo. então me diga de novo, vai terminar. de novo. e de novo. quem sabe eu não me lembre, quem sabe eu não me lembre e não consiga enfim me proteger e não ser vencida por tudo que quero tanto e tanto. não, espere, não me lembre. ou me lembre. de novo. e de novo. e quando eu me lembrar, por favor, me faça esquecer. de novo. e de novo. assim.

17 de novembro de 2003

...

como é que a gente faz pra entrar num barco que a gente sabe que vai afundar?
...

e eu fico tentando encontrar um argumento, sabe? só um argumento, unzinho, e acho que nem precisa ser um argumento bom. só um argumento pra me convencer de que não vale a pena. de que o melhor é ficar você no seu canto e ficar eu no meu canto e ficar todo mundo nos seus respectivos cantos e ninguém no respectivo canto de nenhum outro ninguém. porque é procurar sarna pra se coçar, sabe? porque você sabe que vai acabar, eu sei que vai acabar, todo mundo sabe que vai acabar, tudo acaba, sabe? e você sabe eu sei todo mundo sabe que vai doer pra caralho, porque sempre dói pra caralho, sabe? sempre dói pra caralho, essas coisas são assim mesmo, todo mundo sabe. essas coisas são assim mesmo, é subir subir subir pra cair de mais mais mais alto, sabe? só pra cair de mais alto. porque é muito bom agora e é questão de tempo até não ser muito bom mais e é questão de tempo até doer pra caralho e vai doer pra caralho e quanto mais eu fico aqui e quanto melhor é agora mais vai doer no final e eu começo a pensar que não vale a pena e que esse papo zen roberto carlos de que o que importa são as emoções que vivi é, putz, que porra nenhuma esse papo. porque é abrir espaço pra você na minha vida, é trazer você pra minha vida, sempre na certeza de que você vai sair da minha vida e que esse espaço que você ocupa vai ficar vazio vazio vazio e que esse espaço vazio vai doer pra caralho. e eu aguento doer pra caralho, sempre aguento, mas será que eu quero? e medo, muito medo, porque cada vez parece que vai doer mais, e o doer pra caralho vira doer pra mais e mais caralho, tudo bem que a carapaça é dura, tudo bem que você é árvore de cerrado, tudo bem que eu tenho seiscentos e vinte e três anos, mas putz, será que vale? será que não é melhor ficarmos pelos cantos da vida sem encontro sem amor sem porra nenhuma mas com paz? e eu morro de medo e eu estou a um passo de sair correndo porta afora mundo adentro pra longe muito longe desse amor que você me oferece assim tão sem reservas e da dor que você me oferece no futuro talvez próximo talvez distante mas no futuro inevitável. e estou procurando argumento, só um, e porta, e mundo, e não mais você. um argumento. unzinho.

16 de novembro de 2003

...

"Em minha frente caminhas
Pesado do teu desejo,
Pesado da tua graça,
E as tuas mãos tocam as coisas que hão-de vir
E a sua sombra cobre a tua face.

E em tua frente estou suplicante e exausta
Pois a tua vinda apaga
Os meus frágeis gestos de alegria.
E em tua frente estou suplicante e exausta
Pois a tua vinda quebra
A minha vinda.

Às vezes todo o dia o teu sorriso
Está presente em cada coisa:
No fundo dos espelhos e nos vidros,
No vermelho das rosas e nos astros.
E através dessa presença caminho em delírio
Para o grande cintilar dos teus desastres
Onde me quero destruir."


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)
...

preciso de distância para amar certas pessoas, mas o que há de errado nisso? nada errado. mas é excruciante não corresponder a essas expectativas que depositam em mim, mas se você nos ama então você tem que ser exatamente aquilo que nós queremos, senão é porque você não nos ama, ouviu? senão é porque você não nos ama. e me esgoto. e deixo que me vençam. ok, não amo, se é o que vocês pensam. mas me deixem. mas distância. e sofram pela minha falta de amor se é falta de amor o que vocês vêem. e as amo. ainda assim. assim.
...

só consigo amar algumas pessoas à distância. reajo à sua proximidade, anticorpos en garde. eu as amo, mas esse amor me pesa quando elas estão por perto. quando elas estão por perto, gostaria de não amá-las. gostaria de ser indiferente, imploro por ser indiferente. e abandono-as. não por falta de amor, não. abandono-as por amor demais. amor além da conta. tudo tem medida, tudo tem limite, tudo em excesso vira doença. amor também. amor principalmente. e afastem-se elas, ou afasto-me eu. mas distância. meu peito clama por distância.
...

sair sair sair. você sabe que a coisa está preta quando tudo que consegue pensar é em não estar mais onde você está, em vez de pensar em estar em outro lugar.
...

foda-se que precisamos de correntes, fodam-se as minhas correntes as minhas defesas, foda-se eu ter medo eu ser a pessoa mais covarde do mundo. e todas as minhas reviravoltas temerárias não foram coragem, ah, não foram. foram o completo esgotamento da minha capacidade de tolerar. e quebro as correntes não porque perceba que não preciso delas porque seja brava porque me despoje. não. quebro correntes porque o peso delas me esmaga, porque não consigo mais me mover me arrastar respirar com elas nos braços nas pernas nas mãos no peito. quebro correntes porque me faltam forças pra carregá-las comigo. não é coragem, não é mérito. é instinto de sobrevivência. talvez só importe isso, que as quebro. mas não. não não. eu as quebro não porque as venço, mas porque elas me vencem. e é isso que importa. que o mérito é delas. que elas me vencem.
...

então é dormir no chão.
...

o problema de passar um tempo fora de casa é que quando você volta acaba descobrindo que não tem mais onde dormir. tomaram meu colchão. isso é sério, muito sério. não se brinca com o colchão de uma garota. não se brinca com o direito sagrado e fundamental de uma garota, de dormir após uma noite cheia. hereges.

13 de novembro de 2003

...

"Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Nâo acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredite se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito secreto de calar."


(Lya Luft, escritora brasileira)

12 de novembro de 2003

...

mas cansei cansei cansei de me traduzir a todo instante. até porque me traduzir de nada serve, é dispensável, tão tão dispensável, tão tão inútil. tudo que alguém precisa saber a meu respeito está aqui tudo aqui tudo à flor de tudo tudo na superfície. sou eu, superficial, absolutamente superficial, sobremaneira rasa, está tudo aqui, bem aqui, na superfície, na casca. no raso. tudo que existe de relevante em mim é isso aí que qualquer um vê, está na pele. saltando à vista, saltando ao toque. em braile. não, não venha me buscar nos lugares mais remotos recônditos do meu ser, eles não existem, eu sou rasa rasa rasa. não venha me procurar lá no fundo do fundo. minha estopa é essa aí. tudo que importa em mim está aí, no raso, ao alcance da mão, ao alcance do toque. em braile. estenda a mão e me leia. na ponta dos dedos. na sua pele. cansei de traduzir o meu óbvio que se revela ao seu toque. cansei.
...

a lua se escondendo atrás do meridien, se mostrando, se escondendo. amarela, enorme, fazendo doce. se você não viu, lamento muito. perdeu a lua mais bonita do meu universo em muito, muito tempo.

11 de novembro de 2003

...

"Did it matter then, she asked herself (...), did it matter that she must inevitably cease completely; all this must go on without her; did she resent it; or did it not become consoling to believe that death ended absolutely? but that somehow (...), on the ebb and flow of things, here, there, she survived (...), she being part, she was positive, of the trees at home; of the house there, ugly, rambling all to bits and pieces as it was; part of people she never met; being laid out like a mist between the people she knew best, who lifted her on their branches as she had seen the trees lift the mist, but it spread ever so far, her life, herself."

(Virginia Woolf, em Mrs Dalloway. fiquei na pilha de ler esse livro, encostado há um tempinho na minha estante, depois de assistir as horas. comecei, mas não sei se vai ser agora.)

10 de novembro de 2003

...

"For this my mother wrapped me warm,
And called me home against the storm,
And coaxed my infant nights to quiet,
And gave me roughage in my diet,
And tucked me in my bed at eight,
And clipped my hair, and marked my weight,
And watched me as I sat and stood:
That I might grow to womanhood
To hear a whistle and drop my wits
And break my heart to clattering bits."


(Dorothy Parker, poetisa americana)
...

acho que foi no blogauti que descreveram uma vez, em algum post perdido nos arquivos, a sensação de ser ultrapassado pelo tempo. pelas coisas. chamavam de hipercronismo. então. é meio isso. hipercronismo. aliás, nota perdida, o blogauti (que estava em recesso) voltou. ao que parece.
...

muito na minha cabeça, mas não tenho verbalizado. não aqui, pelo menos. coisas, muitas coisas, coisas que andam mudando, que ainda não pararam de mudar. que estão mudando o tempo todo. então fico eu no meio de tudo tentando dar sentido ao tudo e quando finalmente consigo dar sentido ao tudo que vejo tudo já mudou de novo. já é outro tudo aguardando sentido. fico eu à margem de sentido de novo. perdida de novo. mas nem tudo são trevas. aliás, não são trevas de jeito nenhum. é novo, mas um novo de recompensa imediata, um novo que é bom de cara. nada melhor que isso. mas ainda assim a merda, meu mental gritando inconformado, não, não, eu quero entender, eu preciso ENTENDER. entende? e todo mundo me dizendo, mas putz, você racionaliza demais, vive aí um pouquinho, deixa pra equacionar depois. então. o negócio é, viver antes, equacionar depois. viver antes, equacionar depois.

mas não é como se eu já não soubesse disso. e não é como se eu tivesse alguma esperança de colocar isso em prática. mas vamos lá, entoemos o mantra: viver antes, equacionar depois. viver antes, equacionar depois. viver antes, equacionar depois. vamos lá.

7 de novembro de 2003

...

      "essa a vida que eu quero,
querida

      encostar na minha
a tua ferida."


(Paulo Leminski, poeta brasileiro)
SHOPLIFTERS OF THE WORLD UNITE

não agüento mais ver propagandas que promovem um produto qualquer fazendo nada mais do que mostrar gente bonita descolada estilosa inteligente saudável vanguardista fazendo caras e bocas inaugurando tendências se divertindo horrooooooooooores nesses cenários de cores psicodélicas que causam convulsões em crianças em idade pré-escolar proferindo frase de efeito atrás de frase de efeito sem dizer nada que preste ou que tenha alguma coisa remotamente a ver com o produto (sim, ele!) sendo promovido. tipo assim, < revirar de olhos > amo muito tudo isso < desvirar de olhos >. é insultante. e sem papo de falar a língua do público alvo bla bla bla, porque não é nada disso: isso aí só pode ser idealizado por pessoas que 1. foram lobotomizadas no passado recente ou 2. estão com preguiça de ter uma idéia que preste. não sou publicitária, de jeito nenhum. mas sou sim, acho eu, PÚBLICO ALVO. esses porras querem vender alguma coisa PRA MIM, né? pois então: cada vez que ouço/vejo/sinto ser empurrado minha goela abaixo algo como esse tal de amo muito tudo isso, tenho vontade de virar uma vegetariana xiita e passar minhas madrugadas atirando bombas caseiras pelas janelas de todos os mcdonald's da cidade.

deveria haver algum dispositivo vedando campanhas publicitárias estúpidas no código de defesa do consumidor. ah, deveria.

6 de novembro de 2003

...

"if i could do just one near perfect thing, i'd be happy
they'd write it on my grave or when they scatter my ashes
on second thought, i'd rather hang around
and be there with my best friend
if she wants me."
AMÂNDIO 6.0

noitada em meio de semana, coisa mais vagaba que isso não existe. mas enfim, era aniversário do amândio, e ia tocar TODO MUNDO na pista um, saca? TODO MUNDO: amândio, edinho, wilson, e, melhor e principalmente, o meu menino. meu menino abrindo a noite. então era chegar cedíssimo na bunker, fazer a social com o povo que, graças a tim festival e compromissos outros, eu não via há um tempo considerável, me jogar na pista pra espantar o sono. e foi isso aí. som enfarofado, mas enfim, era aniversário do amândio, então, hello? o som tinha que ser enfarofado até por uma questão de CONSISTÊNCIA. dancei muito, queimei calorias, tirei várias fotos que não postarei por aqui, matei saudades de pessoas e de músicas e de dancinhas com certas pessoas ao som de certas músicas. e agora estou arrasada por aqui. no alarms, no surprises. vou encher a fuça de cafeína.

em tempo: estou considerando seriamente a possibilidade de casamento com um dos queijos (a.k.a. plataformas com uma barra fincada no respectivo meio que circundam a pista um da bunker). dançar em cima daqueles troços dá uma sensação de plenitude, vou te dizer. coisa de leonino.

5 de novembro de 2003

...

senhor, dai-me paciência.

4 de novembro de 2003

...

tempos de vacas magras se deixam vislumbrar no futuro próximo.
...

"i like my body when it is with your
body. It is so quite a new thing.
Muscles better and nerves more.
i like your body. i like what it does,
i like its hows. i like to feel the spine
of your body and its bones, and the trembling
-firm-smooth ness and which i will
again and again and again
kiss, i like kissing this and that of you,
i like, slowly stroking the, shocking fuzz
of your electric fur, and what-is-it comes
over parting flesh....And eyes big love-crumbs,

and possibly i like the thrill

of under me you quite so new"


(e e cummings, poeta americano)

3 de novembro de 2003

...

mas sim, the rapture, white stripes e peaches. é, foi legal. cheguei no meio dos super furry animals e, como estava naquela de, vamos achar fulaninho, e beltraninho vem ou não vem, não dá mesmo pra esperar até o intervalo pra você ir ao banheiro, e PRECISO beber uma água senão desidrato, não vi muita coisa. a mídia está falando horrores, mas enfim, quem acredita na mídia. mas pulei muito com os meninos do the rapture, que são empolgados e empolgantes ao vivo. house of jealous lovers sozinha já valia meu ingresso. o mesmo não se diga dos white stripes. não que tenha sido uma merda, não é isso. mas o som atordoantemente distorcido me feriu um pouco os ouvidos, e jack white estava significativamente rouco, e com a voz abafada pelos poucos instrumentos que o acompanhavam. gostei do show, do visu preto/branco/vermelho de tudo que adornava o palco, dos sinaizinhos entre jack e meg, do elefantinho branco em cima do teclado (se bem me lembro, era um teclado, né?). mas se o assunto é mesmo a música, acho que fico com meu cd, obrigada. e peaches... na boa, achei que fosse ser uma bagaceira sem tamanho. e FOI. mas uma bagaceira MUITO BOA. o show é quase adolescente no escracho das referências mais que explícitas a todas as formas de sexo e ene porcariadas. mas a mulher se acaba no palco. engata a primeira e te carrega junto. adorei. ah, sim, fui visitá-la no backstage, arrastada um amigo mais cara de pau que eu me implorando pra registrar o momento com minha câmera digital. a mulher é simpática, mas eu mal falei, porque nunca tenho nada de relevante pra dizer nessas horas (tudo que me vem à cabeça é muuuuuuito foda seu show, ou algo do gênero - e pra dizer isso, melhor ficar calada). mas postarei as fotos que tirei então no futuro próximo. sim, sim, edinho , zé & gordinho mataram nos trechos que ouvi dos respectivos sets. evidententemente não fiquei pra dj malboro. mas, enquanto estava saindo, me diverti vendo todos os indiezinhos carudos que conheço de vista da bunker se acabaaaaando ao som de funk farofa de favela. de novo: a cena, só, já valia o ingresso.
...

por favor, abstenham-se de completar qualquer colocação com a expressão enquanto ser humano. as in, amadureci muito enquanto ser humano. na boa, isso não faz o menor sentido aos meus ouvidos. claro que você amadurece enquanto ser humano, vai amadurecer enquanto o que? enquanto vaca? soa como papo de maconheiro decerebrado. tipo, não tenho o que dizer, não sei como dizer, e não me restam muitos neurônios mesmo, então vou dizer qualquer porra e você finge que eu disse alguma coisa muito significativa e profunda aê, valeu? assim, enquanto ser humano, saca?
...

"Say over again, and yet once over again,
That thou dost love me. Though the word repeated
Should seem 'a cuckoo-song,' as thou dost treat it,
Remember, never to the hill or plain,
Valley and wood, without her cuckoo-strain
Comes the fresh Spring in all her green completed.
Beloved, I, amid the darkness greeted
By a doubtful spirit-voice, in that doubt's pain
Cry, 'Speak once more—thou lovest! 'Who can fear
Too many stars, though each in heaven shall roll,
Too many flowers, though each shall crown the year?
Say thou dost love me, love me, love me—toll
The silver iterance!—only minding, Dear,
To love me also in silence with thy soul."


(Elizabeth Barrett Browning, poetisa inglesa)

2 de novembro de 2003

... THE THING IS ...

eu até tinha que postar, mas acho que vou esperar estar conseguindo sentir de novo que tenho pés e atualizar meu sono pra isso, mas desde já saibam, sexta foi bom, sábado foi tudo tudo tudo de bom. por ora é só. fui.

31 de outubro de 2003

AH, É

dormir.

30 de outubro de 2003

OQUENÃOFOIOSHOWDABETHGIBBONS

só digo isso: ainda bem que não desisti de ir nesse show. AINDA BEM. comprei o último, sim, o ÚLTIMO ingresso, no literalmente PIOR lugar do tim stage (alguém me esclareça, inclusive, por que o pior lugar de qualquer lugar é sempre junto dos sanitários), mas putz, valeu, valeu, valeu. a voz da criatura corta rasga estraçalha estilhaça o ar ao vivo, os arranjos de todas as músicas estavam muito superiores aos do album, e a mulher ainda é tímida. pode? simpática, até, de tão tímida. charmosa de tão tímida. destaque pra ela rindo, enquanto tentava conciliar microfone e cigarro nas mãos em um dos momentos do show. destaque pra ela deixando o microfone cair em outro. tudo de bom. a vontade era driblar os seguranças pra subir no palco e dar um abraço nela - o que, aliás, foi feito por mais de um, sim, você leu certo, MAIS DE UM fã. pena que não tenha sido eu. amei o show amei amei. solamento por quem não foi.

o que me lembra: gostei também da pirotecnia toda que fizeram no mam. quinhentas mil luzes coloridas e tendas espalhadas por todos os lados e uma emulação de praça de alimentação bem no meio de tudo. o evento todo me pareceu bastante estilosinho e muito bem organizado. não fiquei em fila, não fui maltratada só por ser estudante e ter pago metade do preço no ingresso, dava pra enxergar o palco e curtir decentemente o som inclusive do pior lugar (ou seja, do MEU), o público estava calminho e educado. rolaria de ir pra lá com o exclusivo fim de curtir o ambiente e morgar num dos pufes brancos enormes do estande promocional da petrobrás.

pois então, eu sei, eu sou a mais empolgada. mas gostei, então nada de ser blasé. tomara que esse festival não acabe seguindo a sorte do free jazz. porque só por ontem, já merece o repeteco. e amanhã ainda tem white stripes.
...

"Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
Florindo nas ondas, cantando nas florestas,
No teu ar brilham transparentes festas
E o fantasma das maravilhas raras
Visita, uma por uma, as tuas horas
Em que há por vezes súbitas demoras
Plenas como as pausas dum verso.

Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
Bailando na doçura
E na amargura
De serem perfeitas e de serem breves."


(Sophia de Mello Breyner Andresen, poetisa portuguesa)

29 de outubro de 2003

...

putaquepariuessecaralho.

(esse vocábulo singelo não é meu, é dele. mas ecoa dentro de mim nesse instante. não dormir me azeda. gente no meu caminho depois de não dormir também. gente sem nenhuma noção, então, ô.)

28 de outubro de 2003

...

você me pede sabendo sem saber whatever. você me pede que desacelere com tantas palavras sem palavra nenhuma. na dúvida, desacelero. você deve saber o que pede mesmo que peça sem saber e com palavras sem palavras. você deve saber o que pede. atendo.
...

e às vezes quando me preparo para passar a quinta marcha e acelerar acelerar acelerar estrada adentro e me atirar no caminho sem restrições sem amarras sem reservas, é exatamente então que o universo coloca uma imensa placa na margem me lembrando que, há, sim, um estrito inignorável limite de velocidade para a vida e curvas sinuosas perigosas suicidas à frente e muitos e muitos quebra molas ansiosos por sabotar o meu amortecimento e que não não não eu não quero me atirar sem reservas se me atirar sem reservas será a colisão o desastre a tragédia. há, sim, um limite de velocidade, e o universo me lembra, sempre que me esqueço o universo me lembra, que só vale a pena ultrapassá-lo quando o universo resolve esquecer de me lembrar. caso não, pé no freio e respeito às leis de trânsito aos pedestres ao meu veículo aos veículos que seguem meus sentidos aos outros veículos que seguem os sentidos contrários. à estrada, a seus limites. respeito sagrado sepulcral solene aos meus sentidos. aos sentidos contrários. e aos limites de todos os sentidos.

27 de outubro de 2003

...

percorro um caminho de pedras molhadas escorregadias inseguras, e cada pedra do caminho que percorro pode desaparecer, ceder diante do peso do meu corpo, então será cair, cair de novo, ser atirada ao nada de novo? sinto no corpo no sangue nos ossos a incerteza de cada um de meus passos mas ela não me impede de prosseguir no percurso nem me rouba o fôlego a atenção o deslumbramento da paisagem. percorro. se cair, então serei eu atirada ao nada de novo e buscando a paisagem no nada de novo. e encontrando. percorro. e me deixo ser acariciada pela paisagem que me envolve sem me agarrar a ela.
...

"god knows how i adore life
when the wind turns on the shores lies another day
i cannot ask for more
when the time bell blows my heart
and i have scored a better day
well nobody made this war of mine
and the moments that i enjoy
a place of love and mystery
i'll be there anytime"

26 de outubro de 2003

...

e é isso o mundo, esse silêncio entrecortado pelos sons aqui dentro do meu peito. o mundo é silêncio entrecortado pelo som que carrego comigo. pela minha música que não entendo e que ouço. o mundo é silêncio entrecortado pelo impronunciável que pronunciamos de novo. e de novo. e de novo. o silêncio e os meus gemidos. de prazer, de dor. o mundo é isso.
...

e ouço o silêncio do mundo nos espaços deixados entre uma batida e outra dentro do meu peito. o silêncio entrecortado pelos ruídos todos os ruídos ensurdecedores dentro do meu peito. e é música, não é música? é música. percussão, percussão pura, não é você quem gosta? talvez você goste da música dentro do meu peito. encoste o ouvido, ouça, é música, não é? se for, é sua, deve ser sua. quanto a mim, não entendo, não tenho a capacidade de entender, pra mim é percussão, não entendo, não entendo. se é música, é música sua, não é música minha. é você que produz esse som, não eu, não eu. você. essa música se for música é música sua. é sua. mas ouço. ouço tudo isso que tenho dentro do peito e tudo isso que existe nos espaços de silêncio do mundo. ouço.
...

a girl half in love half out of love can only hope to not be torn in halfs someday. and it's anyday now.
...

a glória tem a cor dessa sua fé em mim que eu queria que também fosse minha que não pode ser minha que só é minha quando estamos juntos. a glória tem a cor da sua fé.
...

there's only hope, i can only hope cause i'm just a girl half in love half out of love and i can only hope to be whole again for the first time to not be divided ripped torn in halfs anymore one day someday anyday now. now, maybe. maybe now. it may be now. now.
...

a glória tem a cor do pó de ouro no fundo do seu olhar e o aroma sutil da curva do seu pescoço e o timbre da sua voz quando você diz com ela todas as coisas de mim em que eu quero acreditar em que não acredito porque não posso porque sou incapaz de acreditar o tempo todo em tudo que só faz sentido quando vislumbro o pó de ouro no fundo do seu olhar. a glória tem a cor dessa sua fé em mim que eu queria tanto tanto tanto que fosse minha, tenho mais fé em mim quando me vejo refletida no pó de ouro do fundo do seu olhar. gosto mais de mim quando me vejo refletida no pó de ouro do fundo do seu olhar. e é amor, isso, é amor? cheira a isso, soa a isso, tem a textura disso, então deve ser isso, deve ser amor. deve ser amor. deve ser.
...

e se sou só eu repetindo meus velhos padrões, então estou apenas me repetindo, estou sempre me repetindo, sempre me repetindo. mas talvez deixe de me repetir em breve, e então, não seria a glória? a glória dizer finalmente algo de novo, estradas novas, palavras novas, coisas novas dentro do peito em vez de tudo aquilo que já há muito me cheira a mofo. but there's only hope, i can only hope cause i'm just a girl half in love half out of love and i can only hope to be whole again for the first time to not be divided ripped torn in halfs anymore one day someday anyday now. anyday now. torcer por tudo novo, não tudo de novo mas tudo novo. tudo novo, tudo novo, tudo novo não seria a glória? seria a glória.
...

there's only hope.
...

cresci demais pra caber nos meus velhos padrões, é isto? me diga, deus, é isso? por favor.
...

é amor isso que une os cacos do mosaico.
...

é só colocar o mundo no microscópio. o amor está lá. nós é que não vemos porque somos incapazes, somos incapazes. incapazes. mas é só colocar o mundo no microscópio. o amor está lá.
...

e o amor, o amor surge nas entrelinhas. nos espaços em branco. na vida não há espaços em branco não há não há. só há amor, só amor. amor unindo os retalhos da vida. amor são as entrelinhas os remendos as costuras de fio duplo da vida. amor é o que une os cacos do mosaico. é tudo amor. o amor está nas entrelinhas. é só olhar de perto bem de perto muito de perto. olhe.
...

i'm just a girl half in love half out of love.
...

a girl half in love half out of love can only hope, i guess. and i guess it's amazing, this is amazing. the incredible unbelievable amount of love that can emerge from the absolute lack of love. from the void of every other love that is not, that isn't anymore, not anymore. from the spaces that exist in between the absence of love. it's amazing, i guess. but a girl can only hope. only hope.
...

nothing here fits me anymore, something else fits me and it's not here. not here. somewhere else, then. somewhere anywhere must fit me. somewhere else fits me best. somewhere else must fit me best.
...

you can force it but it will not come
you can taste it but it will not form
you can crush it but it's always here
you can crush it but it's always near
chasing you home
saying
everything is broken
everyone is broken
why can't you forget?
...

e se meu aquário se partiu, me afogarei sem água parada e suja e turva onde não obstante mal ainda conseguia respirar de alguma forma? morrerei sufocada? ou será que não, será que alguém me verá agonizando e me conduzirá até alguma poça de água mais limpa onde possa não agonizar ou agonizar menos, oxalá possa eu agonizar menos em algum outro lugar? alguma poça mais limpa, alguma fonte, oxalá seja uma fonte. ou será que meu aquário se quebra quando já estou em alguma fonte que não vislumbro porque a água turva do aquário quebrado ainda não se dissipou e se for será que se dissipará, será que já estou numa fonte limpa que tornei turva com a água turva do meu aquário quebrado, eu estrago tudo, eu sempre estrago tudo, não é, e talvez tenha de novo estragado tudo a fonte limpa mas não mais limpa porque a sujei, pouco importa, nada importa, desde que eu consiga respirar nela ainda que tenha ainda que agonizar, eu agonizo sempre de qualquer e toda maneira, pouco importa, nada importa, desde que eu possa respirar sobreviver ainda que agonizante. ou talvez apenas talvez meu aquário se quebre porque já não posso mais respirar na água turva, porque agora talvez precise de ar porque talvez sempre tenha precisado de ar. ar. e talvez meu aquário se quebre fora d'água apenas porque tão somente porque eu só agonizava pela água turva do aquário pela falta mais completa e absoluta de algum ar. e talvez eu só agonizasse porque achava que respirava enquanto me faltava o ar. talvez eu só agonizasse porque buscava água turva e não ar para respirar. e agora talvez não me falte mais ar agora talvez eu deixe de agonizar oxalá não precise mais agonizar oxalá eu possa não agonizar mais. porque já agonizei tanto. já agonizo.
...

o consolo, o maior consolo, é encontrar meus padrões no fundo do armário, meus padrões velhos gastos usados em trapos que se despedaçam, se despedaçam. meus padrões em trapos que não mais se sustentam, e que talvez provavelmente em breve muito breve não tenham mais uso ou destino, e então, fim, e então lixo. tecidos frágeis tão antigos que se esfacelam ao toque. e lixo. e estradas já percorridas talvez muito provavelmente serão estradas que já não posso mais percorrer porque serão estradas para as quais fiquei muito larga, too large, too large. estradas que não me cabem, they don't fit me anymore. e meus padrões minhas estradas os círculos em que caminho meus ciclos viciosos rompidos, todos rompidos, e lixo, são todos lixo, vão todos para o lixo. para o lixo. meu aquário partido, partido. despedaçado. broken. everything is broken.
...

tanta coisa presa no peito, tanta. as muitas verdades que me caem na cabeça enquanto me estico toda para tirar do fundo mais fundo alto escuro esquecido do armário algo de que (me dou conta) não mais preciso. verdades me acertam em cheio, me machucam, me tiram algum sangue, mas pouco importa, porque pouco importa. pouco importa. porque agora eu sei. que sacrifico tudo a troco de nada, que busco tudo aquilo que já não me faz falta, que persigo incessante incansavelmente tudo aquilo que já não quero. que já não quero. sacrifico tudo. a troco de nada. tudo para nada, nada, nada. mas tomara que já não tenha sacrificado tudo, tomara que ainda reste alguma coisa. porque agora eu sei. que sou eu repetindo meus velhos usados gastos padrões.
LABIRINTO

"Sozinha caminhei no labirinto
Aproximei meu rosto do silêncio e da treva
Para buscar a luz dum dia limpo."


(Sophia de Mello Breyner Andresen, poetisa portuguesa)

24 de outubro de 2003

...

mas passa.
...

sensação básica de hoje é um puta saco cheio. não, de nada específico, sim, de um monte de coisas específicas. saco cheio do mundo, dos padrões que as pessoas insistem insistem insistem em repetir repetir repetir passando a mão na própria cabeça enquanto fazem MERDA dizendo mas eu sou assim mesmo e não tem outro jeito e quem desgostar que desgoste porque não tem nada que eu possa fazer. e PORRA NENHUMA. raiva muita raiva de mediocridade se justificando através de mais mediocridade. monte de manés. and so people keep taking you for granted. e o momento é de muito saco cheio disso. momento de muito pouca fé na humanidade. muito pouca. e vontade de só ver o mundo de muito muito longe.
...

and people keep taking you for granted. so what else is new?

23 de outubro de 2003

...

estou sempre me repetindo, sempre me repetindo. mas não escrevo mais para você. amo você, mas deixo de escrever pra você. porque não é mais a sua mão na minha goela. não é mais a sua ausência a sua dor a sua mais absoluta miopia o que me atormenta o que me dói o que me pesa no fundo do meu fundo. não é mais para você que direi minhas verdades aos berros exigindo pedindo implorando por favor por favor por favor me ouça tudo o que eu queria é ser ouvida realmente ouvida ouvida por você. porque não é mais a sua mão na minha goela, porque não é mais mão nenhuma na minha goela, porque em breve será alguma outra mão na minha goela, alguma outra que não a sua, alguma outra e não mais a sua. porque amo você, mas não amo mais você. porque não escrevo mais pra você, apesar de estar sempre me repetindo. então. não me repito mais pra você. amo você, mas essas linhas agora são minhas. minhas. não me repito mais pra você.
EIS-ME

"Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, poetisa portuguesa)

22 de outubro de 2003

...

não quero tudo de novo. quero tudo novo.
...

terror de ter que me perder de mim para encontrar você. terror de acabar por fazer tudo de novo, porque não, não, não quero tudo de novo. não quero não posso não tenho forças para me perder de mim de novo, seria o fim de novo, o fim, me perder de mim. de novo. e não tenho mais forças pra isso, não tenho. não tenho. não posso mais me perder de mim. quero me encontrar no caminho para encontrá-lo. quero tropeçar em mim enquanto me dirijo a você, quero a surpresa a felicidade a iluminação de encontrar meu próprio rosto enquanto persigo o seu. não quero me perder em você. quero me encontrar em você. senão seria tudo de novo, me perder em você para depois ter que me encontrar sem você, tudo de novo, tudo de novo, tudo de novo, eu e as estradas que já percorri e que não quero percorrer de novo mas que acabo sempre percorrendo de novo, e de novo. e de novo. e de novo. e eu não quero tudo de novo. não não não, não quero tudo de novo. quero tudo novo.