27 de fevereiro de 2004

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"por mais que eu ande
nada em mim imagina
o que é que menina
tão pequena está fazendo
numa cidade tão grande"

(Paulo Leminski, poeta brasileiro)

21 de fevereiro de 2004

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o mais difícil é isso, reconhecer o momento exato de obedecer aos chamados dos espaços que você não ocupa. não quero sentí-lo próximo. sinto-o próximo. ele bafeja minha nuca. sussurra meu nome. me convoca. me tenta. seguro. arrogante. ele sabe, como sabe, que o desejo. anseio por ele, porque ocupar os seus espaços tem sido doloroso além da conta. além da sua conta. além da nossa. além da minha. o momento dos espaços que você não ocupa seria a paz. a anestesia. não, não seria a glória. mas por ora não me tenta a glória. mas a paz... meu desejo de paz, de ausência de dor, me estuda. espreita. prepara o bote.
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"Bem que eu queria dormir,
mas a culpa chamou-me a noite inteira.
Eu preferia fugir,
mas a morte arranhava a minha porta.

Devia esquecer o amor,
mas esse não desiste de mim:
me agarra, me devora e me vomita
no alto da sacada.

(Cada vez que acordo,
perdi um novo pedaço:
ouço cacos rolando
o tempo todo na escada.)"


(Lya Luft, escritora brasileira)
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e se for melhor eu partir enquanto você está adormecido? me deixar disfarçar pelo silêncio das horas, ir embora na ponta dos pés. na calada da noite. sem que você perceba a sua perda. sem que você me faça perceber a minha. permaneço deitada ao seu lado de olhos abertos. eu mesma longe de adormecer, evito olhar para você adormecido ao meu lado. sinto o impulso de acordá-lo, mas o que eu faria com você acordado? talvez eu goste mais de você adormecido. talvez eu tenha medo do que será quando enfim você estiver acordado. talvez eu não tenha escolha entre ficar e partir quando você estiver acordado. talvez então seja a perda inevitável, mas e se for? não seria melhor que eu escolhesse partir enquanto a escolha ainda é minha?

por ora você dorme, por ora eu permaneço inerte. insone. você dorme. eu ouço os chamados da noite. dos espaços que você não ocupa.

18 de fevereiro de 2004

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ando meio bamba, ora bem, ora péssima. estou no ora péssima agora, aliás. tento resistir bravamente à tentação de transformar isso aqui num poço de lamúrias. mais do que já é, anyway. aquela ladainha de sempre, só dizer algo quando tiver algo a dizer, etc etc etc. meio difícil, porque fora reclamar egoisticamente da vida, não me tem ocorrido muita coisa. não tenho conseguido ler, nem escrever, nem me concentrar minimamente em tarefas isoladamente irrelevantes, mas necessárias para que o dia a dia siga o seu curso.

tenho sentido falta de dizer, no entanto. algo anda permanentemente entalado. entalado e, por ora, aparentemente intraduzível. volto quando o que quer que esteja entalado e intraduzido em mim seja devidamente traduzido e desentalado. volto quando conseguir voltar. as coisas estão meio trevas, but i don't have to make a spectacle out of it. at least i'm trying not to.

17 de fevereiro de 2004

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"what do you think i'd see
if i could walk away from me"

13 de fevereiro de 2004

S.O.S.

"não houve sim que eu dissesse
que não fosse o começo
de um esse o esse"

(Paulo Leminski, escritor brasileiro. acabei de adquirir o ex-estranho, e ele já galgou um merecido posto entre meus livros prediletos. leminski é foda.)

12 de fevereiro de 2004

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quase temo crer que essas águas que se prenunciam serão calmas, mas e se não forem? espero que caiam as últimas gotas de tempestade para deixar escapar do peito o suspiro de alívio que sempre prendo enquanto gotas de tempestade caem. espero enquanto caem. espero que caiam. que sejam as últimas. que sejam calmas essas águas que se prenunciam. por enquanto espero. espero enquanto espero.

9 de fevereiro de 2004

MAKE IT ONE FOR MY BABY, AND ONE MORE FOR THE ROAD

me formei semana passada. ou quase. teve colação, beca, canudo, músicas breguérrimas, festa, bebida ruim e meninas de cabelos armadíssimos. toda a pompa e circunstância que eu amo odiar. mas estou devendo a monografia e uns acertos finais. então, me formei, mas não, não me formei. e antes que me perguntem, atrasei a coisa por opção. vamos tentar fazer as coisas com calma, em respiração de ioga, pra variar. com tempo, muito tempo.

mais importante, aliás. fiquei emocionada com as presenças ilustres e com a paciencia estóica que demonstraram os presentes à colação, que foi longa, muito, muito longa. e pelo carinho, obrigada pelo carinho que todos demonstraram essas últimos dias.

5 de fevereiro de 2004

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"Tua alma-vampira
gruda na minha os lábios pálidos
e suga:
minha vida sai de mim pelas feridas
dos teus dentes,
minha alma me escapa, eu de mim.
(Vale a pena este amor?)

Quem me acha serena nada sabe:
o sangue que goteja longamente,
tuas vindas à noite, pela sombra,
o punhal de prata em minhas mãos.

(Nem tu saberás, provavelmente.)"


(Lya Luft, escritora brasileira)
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e deve ser que tenho a mesma postura diante da vida e dos filmes de ação de hollywood: distraída pelas cenas de luta, acabo perdendo a moral da estória.

4 de fevereiro de 2004

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"Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo, e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros."

(Caio Fernando Abreu, escritor brasileiro, em carta a seus pais.)

3 de fevereiro de 2004

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ando lendo muito. escrevendo pouco ou nada que preste. por mim tudo bem. um dia a erupção vem.
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" (...) Às vezes o que parece um descaminho na verdade é um caminho inaparente que conduz a outro caminho melhor. Às vezes não."

(Caio Fernando Abreu, escritor brasileiro, em carta a Jacqueline Cantore)
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"Alguém joga xadrez com minha vida,
alguém me borda do avesso,
alguém maneja os cordéis.
Mordo devagar
o fruto dessa inquietação.

(Alguém me inventa e desinventa
como quer:
talvez seja essa a minha condição.)

Bastaria um momento de silêncio
para eu ser feliz:
mas do fundo do palco
uma voz me chama.
Serás tu, amor,
ou é a Morte, apenas, que reclama?"


(Lya Luft, escritora brasileira)

2 de fevereiro de 2004

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preciso diminuir a amplitude.
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"São (...) perguntas. Respondo a algumas. A solução, concordo, não está na temperança. Nunca esteve nem vai estar. Sempre achei que os dois tipos mais fascinantes de pessoas são as putas e os santos, e ambos são inteiramente destemperados, certo? Não há que abster-se: há que comer desse banquete. (...) Ninguém te ensinará os caminhos. Ninguém me ensinará os caminhos. Ninguém nunca me ensinou caminho nenhum, nem a você, suspeito. Avanço às cegas. Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminhos. E lembrei duns versos dum poeta peruano (será Vallejo? não estou certo): 'Caminante, no hay caminos. Pero el camino se hace al andar'.

Mais: já pensei, sim, se Deus pifar. E pifará, pifará porque você diz 'Deus é minha última esperança'. (...) Não há última esperança, a não ser a morte. Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado. Rudo é maya/ilusão. Ou samsara/círculo-vicioso. (...)

Você me pergunta: que que eu faço? Não faça, eu digo. Não faça nada, fazendo tudo, acordando todo dia, passando café, arrumando a cama, dando uma volta na quadra, ouvindo um som, alimentando a Pobre. Você tá ansioso e isso é muito pouco religioso. Pasme: acho que você é muito pouco religioso. Mesmo. Você deixou de queimar fumo e foi procurar Deus. Que é isso? Tá substituindo a maconha por Jesuzinho? (...) Vou te falar um lugar-comum desprezível, agora, lá vai: você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é
in, não é off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando pra Nova York, nem.

Você quer escrever. Certo, mas você
quer escrever? Ou todo mundo te cobra e você acha que tem que escrever? Sei que não é simplório assim, e tem mil coisas outras envolvidas (...). Mas de repente você pode estar confuso porque fica todo mundo te cobrando, como é que é, e a sua obra? cadê o romance, quedê a novela, quedê a peça teatral? DANEM-SE, demônios. (...) Você só tem que escrever se isso vier de dentro pra fora, caso contráriop você não vai prestar, eu tenho certeza, você poderia enganar a alguns, mas não enganaria a si e, portanto, não preencheria esse oco. Não tem demônio nenhum se interpondo entre você e a máquina. O que tem é uma questão de honestidade básica. Essa perguntinha: você quer mesmo escrever? Isolando as cobranças, você continua querendo? Então vai, remexe fundo, como diz um poeta gaúcho, Gabriel de Britto Velho, 'apaga o cigarro no paito / diz pra ti o que não gostas de ouvir / diz tudo'. Isso é escrever. Tira o sangue com as unhas. E não importa a forma, não importa a 'função social', nem nada, não importa que, a princípio, seja apenas uma espécie de auto-exorcismo. Mas tem que sangrar a-bun-dan-te-men-te. Você não está com medo dessa entrega? Porque dói, dói, dói. É de uma solidão assustadora. A única recompensa é aquilo que Laing diz que é a única coisa que pode nos salvar da loucura, do suicídio, da auto-anulação: um sentimento de glória interior. Essa expressão é fundamental na minha vida.

Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima (...). A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sagrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de 'meio doida'. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão.

(...) E ler, ler é o alimento de quem escreve. Várias vezes você me disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir o texto, mas alimente-se. Fartamente, Depois vomite. Pra mim, e isso pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois, claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma-a. Pode até sair uma flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta. E eu acho - e posso estar enganada - que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? e não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente.

(...) Vamos lá. Sem últimas esperanças. Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias. E nenhuma, fora de viver cada vez mais plenamente, mais confortáveis dentro das gente, sem culpa, é. Let me take you: I'm going to strawberry fields."


(Caio Fernando Abreu, escritor brasileiro, em carta a José Márcio Penido.)
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sou uma criança, olhos fechados, de noite, no escuro, porta do quarto encostada, tremendo debaixo da cama, com medo de dragões. que ouviu milhares de vezes, dragões, não existem, isso é bobagem, coisas da sua cabeça, imaginação fértil. olhos fechados, não há o que temer, dragões não existem, dragões não existem, dragões não existem. e sinto o bafo quente de um dragão na nuca.
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dói agora. dói sempre. não vislumbro no horizonte nenhuma indicação de que vá melhorar. mas assim é a vida, não é? é. e não, não me venham com os lugares comuns usuais de que, vai passar, linhas tortas divinas, superação, nirvana, essas porras. agora é isso, nenhuma indicação de que vá melhorar. a vida é isso. esconder as chagas na carne, vestir armaduras, reunir forças, enfrentar, enfrentar, enfrentar. não ter mais forças pra enfrentar. e pornto, e foi. isso, é isso, será isso, até não ser. até não enfrentar reunir forças vestir armaduras cobrir chagas. até então. a vida é isso. sem nirvana. isso.