24 de abril de 2005

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"Soa estranho, esta manhã,
tudo o que sempre foi meu, como pode?
Como pode que esse som lá fora,
os sons da vida, a voz de todo dia,
pareça ficção científica?

Como pode que esta palavra,
que já vi mil vezes e mil vezes disse,
não signifique mais nada,
a não ser que o dia, a noite, a madrugada,
a não ser que tudo não é nada disso?

Pode que eu já não seja mais o mesmo.
Pode a luz, pode ser, pode céu e pode quanto.
Pode tudo o que puder poder.
Só não pode ser tanto."


(Paulo Leminski, em Distraídos Venceremos)
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estou plena de poesia de dor de ausência de falta. de incoerência, da minha inescapável incoerência. mas não, não me falo de sofismas. me bate a luz do sol nos olhos. choro. me deixo acariciar pela musicalidade do aterro. choro. choro deixo de chorar choro mais um pouco sorrio por entre lágrimas sorrio sem lágrimas. sorrio. choro. suporto a ausência. busco a poesia. busco a poesia. busco a poesia.
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and in the meantime, deus salve aqueles que não têm medo das próprias feridas. de encostar suas feridas nas minhas. de me deixar encostar minhas feridas nas suas. deus salve os que não tem medo. deus salve aqueles que estão de frente e que amam. que me amam. me amar não é fácil. gosto de pensar que vale a pena. talvez não valha. ainda assim. principalmente assim.

deus salve aqueles que estão de frente e que amam. somos almas irmãs.

23 de abril de 2005

PAZ

"Os caminhos estão descansando..."

(Mário Quintana, in A Cor do Invisível)

9 de abril de 2005

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as coisas são o que são são o que somos porque somos tudo que há e as coisas hão. é isso? é. não é. é para mim. não há outro para mim agora. tudo se esgota no sujeito. me esgotei no outro o outro se esgotou em mim. mas esgotou. o mundo meu mundo o único mundo que me existe o tudo que é sou serei, isso se esgota no sujeito. o mundo se esgota no sujeito. tudo é o que sou e não há outro pra mim agora. só eu. somos tudo que há. e sou tudo. pelo menos. para mim. agora.
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não quero mais, não posso mais. o outro me exauriu, e me exauri no outro, e estou exaurida. mais do que estou: sou. exaurida. não posso mais, não quero mais. mas a essência é, não há mais nada. exariu-se esgotou-se perdeu-se não pode mais não quer mais não deseja mais não há mais. porque não há. mas o agir, o agir não reconhece, o agir é de um amputado que sente coceiras formigamentos dores câimbras no membro que já não há. o agir age como se pudesse quisesse houvesse. o agir age como que há. não há. no agir que age como que há sem que há, estendo-me. estendo-me em direção a um outro, qualquer outro mas não se enganem: não há mais nenhum outro ali. ainda que eu me estenda.
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as coisas são o que são. somos o que somos. as coisas são o que são mas são o que somos porque não podemos ser nada além do que somos e só há para nós o que somos e se coisas há para nós para nós elas são o que somos. as coisas são o que são o que são é o que somos mas não são o que somos. são o que são. só nós somos o que somos. nós só somos o que somos. somos nós sós o que somos. somos tudo para nós. e o outro, ah, o outro. o outro também somos nós.
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eu costumava acreditar que a beleza brotava nas fendas das ruínas que o prazer se deixava fluir pelas entrelinhas da dor que flores nasciam em pedreiras. mas não. ruínas são só ruínas e não há nada que brote nas fendas. há fendas. há fendas onde há tudo onde não há nada. são fendas. fendas são fendas. fendas são fendas onde há o que há e não há o que não há. onde o que quisermos que haja. melhor: ruínas são ruínas fendas são fendas ruínas há fendas há. colocamos nas fendas o que queremos que haja mas não há o que colocamos. há ruínas e fendas. só há ruínas e fendas. e ruínas. só há ruínas. ruínas são ruínas por mais fendas que haja e por mais que tentemos fazer o que não há haver nas fendas o que há é o que há e o que não há é o que não há e o que tentamos fazer haver não há porque o que precisamos tentar fazer haver é o que não há. então não há. há ruínas. ruínas são ruínas. as coisas são o que são. as coisas são o que são. as coisas são o que são. não o que somos.
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"Subitamente, a liberdade se torna amarga. Acabo de conhecer a perda total e o vazio que a acompanha: nenhuma lembrança, não deixa memórias. Acho que experimento um leve arrependimento por ter falhado em morrer em vida. Mas continuo andando, passo da rua para a calçada, volto para a rua, caminho, os pés caminham."

(Marguerite Duras, em A Dor)
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"Certa vez, estava no cais do Sena, eram duas horas da tarde nde um dia de verão, alguém a beijou e disse que a amava. Ela estava lá, sabe muito bem. Tudo pode ser nomeado: foi no dia em que decidiu viver com um homem. Hoje, o que é? O que será? Logo ela estará na Rue Réaumur, na redação do jornal, trabalhando. Achamos que são coisas extraordinárias. São como todas as outras coisas, acontecem. Depois, já aconteceu. Poderia acontecer a qualquer um."

(Marguerite Duras, em A Dor)
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essa estória da vida valer a pena provavelmente é uma grande piada interna da humanidade que não me contaram.