31 de julho de 2003

... CIRCULANDO!

não costumo falar desses pústulas que vêm parar por aqui através de perquisas bizarras lá pelos googles da vida. mas essa merece.

algum infeliz digitou prostituta no buscador do yahoo e veio parar aqui. hmmmm.

leia meus lábios: su-ma-da-qui. já foi?

30 de julho de 2003

...

não sei dizer, não sei mais dizer. nunca soube. isso tudo é tão maior do que eu que não sei dizer. não sei.
...

então. eu não compreenderia. eu me sentiria traída, eu me sentiria enganada, como não? como não. amo você mas não me sentiria amada se fosse você. então não peço que você se sinta amado, mas você é, tanto e tanto, como não? como não. isso que carrego no peito, isso é amor, sim, claro, é amor mas não é amor. é algo melhor do que amor porque é diverso e individual e único. porque é diverso de qualquer outra coisa, diverso de amor, é algo que não é amor mas que chamo de amor por falta de melhor rótulo. precisamos dos rótulos, como não? então. então chamemos de amor, chamemos de amor esse algo diferente de amor, esse algo que é melhor que amor porque é único, reduzamos esse algo para o menos do amor porque somos incapazes de expressá-lo de outra forma, precisamos dos rótulos, não precisamos? precisamos. ou então você não se sentirá amado, e você é, você é amado, tanto e tanto. você é tão mais do que amado. mas se eu não desse o rótulo você não compreenderia. como não compreende. mesmo com o rótulo você não compreende, mesmo com o rótulo você não se sente amado, porque isso que ofereço pelo meu peito aberto não consegue aderir ao seu rótulo de amor, como poderia, se é algo diverso? como poderia? não pode. mas ofereço esse algo a você e você o rejeita por faltar a esse algo um rótulo. por faltar uma identidade. você não aceita o que carrego no peito e lhe estendo porque o que lhe estendo não tem identidade, não tem RG, não tem CPF, não tem código de barra. o que carrego no peito é e não consta de dicionários. o que carrego no peito é e não tem forma. o que carrego no peito é. e você não aceita. como pedir que você aceite? se eu não aceitaria. eu não aceitaria. mas peço. encoste sua mão no meu peito, cole sua mão no meu peito, e sinta. isso é melhor que amor, tão melhor. é maior. tanto e tanto. compreenda aquilo que eu não seria capaz de compreender. sua mão encostada no meu peito, colada no meu peito, penetrando no meu peito. sinta. é isso. então.
...

meu dever-ser agora é o amor. é o gozo. e, mais importante que qualquer coisa, acima de todos os outros, antes mesmo de mim, que você me perdoe por isso. você a quem eu aparentemente traio na tentativa de ser fiel a mim mesma. você que me pediu fidelidade em silêncio, que me implorou por fidelidade em silêncio. você a quem só posso ser fiel se for fiel a mim mesma. você a quem não posso ser fiel precisamente porque sou fiel a mim mesma. você a quem minha fidelidade a mim mesma para ser fiel a você parecerá a mais absoluta infidelidade e o mais absoluto egoísmo. você que não compreenderá porque seu foco é outro, e porque tudo na vida é foco. você que não compreenderá que minha justiça a você só passa, só pode passar, por minha justiça a mim mesma, por minha justiça ao que tenho de autêntico e que aparentemente lhe trai. você que não compreenderá que meu amor por você não se nega pelo meu amor aos outros, que meu amor por você só se completa quando permeado pelo meu amor aos outros, ao resto, a todo resto. você que não compreenderá que a realização da minha promessa será a forma mais total de fidelidade a você, ainda que não pareça assim. ainda que não lhe pareça assim, me perdoe, hoje, sempre. assim é. confie em mim nisso, ainda que você pense que já trai sua confiança uma vez. tantas vezes. que a traio. amo você, confie nisso. ponha a mão no meu peito. sinta. e me perdoe por tudo isso que você não compreende. que não compreenderá. me perdoe. e me ame.
...

e esse amor é tudo que tenho, e esse amor é abstração pura. abstração pura. esse amor é uma mera compatibilização de feromônios e mais meia dúzia de reações químicas e mais uma penca de impulsos elétricos. e mais abstração pura. ele não é concreto, não pode ser concreto, a concretude o apequena, a concretude o massacra. percebo-o amesquinhado enquanto ele se imiscui no pó do tangível e vê sua própria voz misturada aos gritos esganiçados da minha ética, da minha moral, freiras velhas e virgens e vazias que me esfregam na cara um dever-ser caduco a que elas se apegam como a um crucifixo, como a um terço. velhas freiras virgens que se entregam a um deus, qualquer deus, porque têm medo do gozo. fingem um orgasmo metafísico porque têm medo desse mesmo orgasmo metafísico se real, desse que nos rasga e nos destrói e só nos deixa os escombros úmidos de saliva e secreções e cheiro e gozo e esperma. desse que nos fertiliza, que nos faz parir, que nos dá a luz. porque elas têm medo dele, eu tenho medo dele, do orgasmo do amor, o amor até cessar é um orgasmo múltiplo que não cessa. o amor é um orgasmo múltiplo que não cessa até que cessa. e não permitirei que meu amor morra sufocado por medo do gozo, do esperma, do orgasmo, não permitirei que amesquinhem meu amor ao ponto de torná-lo uma charada moral a ser respondida com falsa sabedoria por uma velha freira virgem frustrada que só pensa ter as respostas porque amesquinhou seu próprio amor quando ele a encarou grávido de plenitude nos olhos. não reduzirei meu gozo a uma insípida questão ética porque sou covarde. porque não sou covarde, porque quero, como quero, me atirar nessa plenitude que se promete. porque me atiro. esfreguem-me meu dever-ser velho e gasto na cara o quanto quiserem, porque ele não me passa mais na goela, meu dever-ser agora é o gozo. é o que sou. meu dever-ser é a coragem para ser o que sou. a coragem para apostar na promessa do gozo, para viver essa promessa agora. já. meu dever-ser é o amor, todo ele, e que me perdoem por isso a minha pobre moral, a minha pobre ética, me perdoem por isso essas velhas freiras frustradas e o deus que elas usam como escudo. meu dever-ser agora é o amor, e que eu me perdoe por isso. eu me perdôo.

29 de julho de 2003

...

e tudo que posso dizer é isso, que meu amor por você brota, e é espontâneo, e é autêntico. e que amo você. mesmo que esse amor não exclua o amor pelo resto, o amor pelos outros. amo você mesmo que não seja você quem escolho. porque temos que escolher, não temos? não escolhemos? amo você mesmo que eu escolha a mim, mesmo que eu sempre escolha a mim. sei que não estou traindo você por isso, por escolher a mim. trairia você se não o fizesse. trairia você se me mutilasse em seu nome, se tornasse o vácuo de tudo que decepasse de mim indissociavelmente ligado ao seu nome no meu peito. não, não, você não merece isso. não posso deixar de viver nada em seu nome, não dissimularei minha própria covardia usando seu nome como escudo. não. amo você e isso me liberta. da minha covardia que disfarço de moralidade. da sua covardia que você disfarça de mágoa. me liberta de mim. de você.
...

será que te serve, essa fidelidade artificial que parece nascer desse meu relutante e seco engolir da infidelidade que me brota espontaneamente no peito? e se ela te serve, não seria isso a tua infidelidade a mim? não seria isso? não é?
...

não posso ser fiel a nada se não for fiel a mim mesma.
...

me pergunto se é possível trair as pessoas de peito aberto, de coração limpo, olhando fixamente nos olhos, cara a cara. sem malícia. sem maldade. e percebo como nunca o que sempre soube, perspectiva é tudo, foco é tudo. mas fiz apenas aquilo que você me pediu, só isso: você me implorou que fosse fiel a mim mesma, que seguisse meu coração, foi só isso que fiz. é só isso que faço. talvez seja apenas que você não imaginava que tudo acabasse nisso. talvez seja que se você imaginasse que seria isso, jamais teria me pedido para ser fiel a mim mesma. e céus, será que você me pediria para ser fiel a mim se soubesse que isso significaria ser infiel a você? que significa? será que eu poderia, será que posso, ser fiel ao que quer que seja, se não puder ser fiel a mim mesma?
...

é, veio a vida mudou as perguntas. então.
...

há horas em que tudo que podemos oferecer às pessoas é o nosso sentimento. em que isso é tudo que temos de autêntico. e espero, de todo coração, que isso baste. pressinto que não basta, pressinto que só me medem pelo que posso apresentar de concreto, e o concreto não fala em meu favor. mas o que carrego no peito, isso é puro, isso é límpido, isso é sem malícia. isso é amor, só amor. mesmo que não pareça assim, à primeira vista, à última vista. isso que carrego no peito é da mais absoluta simplicidade, da simplicidade de crianças brincando na grama numa manhã ensolarada de domingo. isso é simples, tão, tão simples. a concretude é o que mata, é tirar do peito para transformar no pó desse mundo o que mata. é o pó desse mundo o que mata. mas pouse a mão no meu peito, sinta o que bate lá dentro. sinta. é isso o que tenho de autêntico. e isso é da pureza mais completa. e é isso o que ofereço, tudo isso, só isso. queria poder oferecer mais, mas não, só tenho isso, só posso isso. sinta isso que ofereço, sinta esse nada que tenho, que ofereço. sinta. espero que isso baste. não posso dar mais nada. só posso isso. sinta.
...

"Estava me libertando da minha moralidade - embora isso me desse medo, curiosidade e fascínio; e muito medo. Não vou fazer nada por ti, eu também ando de rojo. Não vou fazer nada por ti porque não sei mais o sentido do amor como antes eu pensava que sabia. Também do que eu pensava sobre amor, também disso estou me despedindo, já quase não sei mais o que é, já não me lembro."

(Clarice Lispector, in A Paixão Segundo G.H.)

28 de julho de 2003

PRA QUEM ESTAVA CURIOSO

esse é meu pi.

27 de julho de 2003

SHE?S ALL THAT

a esquina fez um bem danado ao meu ego, thank you very much. rolou até oferta de emprego - para que espécie de atividade laborativa é que é a incógnita, mas, hmmmm, é, bem, deixa quieto. não sei o que se passava, se a cidade é que é sem noção, ou se era eu que estava abalando mesmo. um pouco disso, um pouco daquilo. depois lembrei, o ioga deve ter tido algo a ver com a estória. logo antes de ir, tinha feito uma aula, e um dos mestres me disse, você vem irradiando uma luz muito bonita, garota. aham, sei bem que luz é essa. de novo: deixa quieto. deixei.
MEANWHILE

engraçado, a ausência foi de pouquíssimo tempo, mas a mudança de ambiente parece ter maximizado minha saudade de algumas pessoas. a sensação era de ter ficado meses e meses e meses longe delas. estou atipicamente grudenta e efusiva. coisa de gente surtada, é vero. liga não.
AO QUE TUDO INDICA

voltei da esquina. saí do ônibus na rodoviária e fui direto pra bunker. pra matar a abstinência da falta de poluição/barulho/violência, melhor lugar não há.

25 de julho de 2003

JUNKIE

aliás, vício é foda. eu pensei, vou ficar uns quatro dias sem chegar perto de computador, que bom, que bom. e meu anfitrião me carrega pruma lan. trevas, baby, trevas.
AINDA NA ESQUINA

só isso a dizer por enquanto. aliás, estou postando da esquina.

24 de julho de 2003

...

vou ali na esquina e já volto.
...

"O caos de novo se prepara como instrumentos musicais se afinam antes de começar a música eletrônica. Estou improvisando e a beleza do improviso é fuga. Sinto latejando em mim a prece que ainda não veio. Sinto que vou pedir que os fatos apenas escorram sobre mim sem me molhar. Estou pronta para o silêncio grande da morte. Vou dormir."

(Clarice Lispector, in Água Viva)

23 de julho de 2003

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"Vou te dizer: é que eu estava com medo de uma certa alegria cega e feroz que começava a me tomar. E a me perder.

A alegria de perder-se é uma alegria de sabath. Perder-se é um achar-se perigoso. Eu estava experimentando naquele deserto o fogo das coisas: e era um fogo neutro. Eu estava vivendo da tessitura de que as coisas são feitas. E era um inferno, aquele, porque naquele mundo que eu vivia não existe piedade nem esperança.

(...) E o inferno não é a tortura da dor! é a tortura de uma alegria."


(Clarice Lispector, in A Paixão Segundo G.H.)
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há algo de orgásmico no ato de se render a verdades incômodas depois de lutar, e lutar, e lutar, e ser derrotada uma, duas, ene vezes. um êxtase em não se levantar para o round seguinte, permanecer estatelada, ouvir a voz excitada do árbitro derramar a contagem dos segundos para declarar o nocaute. o prazer insuperável que vem depois da dor excruciante da troca de pele, me rasguei inteira, mas agora, ah, agora posso respirar de novo. é orgásmico, respirar de novo. e a paz. a paz. a paz.

se eu fumasse, acenderia um cigarro. agora.

21 de julho de 2003

PRECE

e eu deveria parar de me queixar. não me queixo. agradeço ao universo por me empurrar em direção a caminhos que eu não ousaria trilhar de outra forma. agradeço a ele por segurar minha mão enquanto os trilho. não me queixo e me armo da gratidão mais profunda, gratidão pela estrada sob meus pés, pelo céu sobre minha minha cabeça, pela harmonia na desarmonia da paisagem. gratidão por mim. não me queixo. agradeço.
...

já faz um tempinho, alguém se queixou de mim, escrevo posts numa língua que só conheço eu. eu e mais uma meia dúzia de iniciados. sim, muito do que eu escrevo é isso, não tem jeito. é de propósito. prefiro não ser óbvia, prefiro me revelar enquanto me escondo, prefiro o que se sugere no vão de um decote ao meu peito pornograficamente exposto. se consigo, que bom, que bom, é o que busco. mas continuaram, ruim isso, assim ninguém capta o que você quer dizer. sim, sim, eu sei. entendam: o que eu quero dizer pouco importa. o que vocës ouvem, isso sim, o essencial. preocupem-se em escutar, e não em me escutar. eu nem tenho muito a dizer mesmo.
...

é que finalmente caiu a ficha. levou um tempinho, não nego. mas caiu.
...

é de uma vagueza deliciosa, essa de me deixar ir, de me assistir enquanto me vou, de me ver partir. não de me jogar, não é isso: é me deixar cair a velocidade mínima, flutuar, folhas ao sabor do vento, da brisa. não busquei isso, isso me buscou. e eu disse, digo sempre, que aceito o que o universo quiser me dar. pois bem, foi isso, esse o presente do universo, isso e tudo isso e apenas isso o que eu aceito. porque não quero mais lutar contra as coisas, quero ir sendo junto com as coisas. fico com isso enquanto isso me for dado, e quando não mais, fico com o que me for dado então. não quero entender, não quero transmudar o caminho em alguma equação matemática apenas para que o que não tem sentido ganhe falso sentido na minha cabeça, não quero sentido em detrimento da verdade, não quero substituir o que vivo por minha compreensão do que vivo, já fiz isso, tanto, e tanto - e chega. quero ir sendo junto com isso. quero estender as mãos para tudo que tenho e para tudo que me é dado e para tudo que me basta. isso me basta. mesmo que seja indefinido, mesmo que seja ilógico, mesmo que seja vago. é de uma vagueza deliciosa: é ela, acima de tudo, o que me basta. a vagueza disso, que é não sendo, que não é sendo. é essa vagueza.
...

"E também o meu medo era agora diferente: não o medo de quem ainda vai entrar, mas o medo tão mais largo de quem já entrou.

Tão mais largo: era medo de minha falta de medo.

(...) Eu já havia abandonado a mim mesma - quase podia ver lá no começo do caminho já percorrido o corpo que eu havia largado. Mas eu ainda o chamava por momentos, ainda me chamava. E era por não ouvir mais a minha resposta, que sabia que me havia abandonado já para fora do meu alcance."


(Clarice Lispector, in A Paixão Segundo G. H.)
PLEASE COULD YOU STOP THE NOISE

estou pensando, pensando, pensado, a cabeca não pára, a maldita. não pára. não pára. ai ai.
AGRADECIMENTOS

ainda no capítulo da lobotomia, agradeço de coração o esforço do outro integrante da equipe cirúrgica (o cirurgião chefe, diga-se de passagem, porque eu sequer consigo, parca e porcamente, alcançar o posto de uma incompetente instrumentadora). ainda é uma sensação meio nova para mim, essa de pedir ajuda e efetivamente ser ajudada. minha onipotência leonina faz com que eu tente, muitas vezes sem sucesso, resolver o mundo sozinha, e, até por isso, é curioso verificar in loco que, não, não precisa ser assim se eu não quiser seja. então, valeu mesmo, rapaz. nessa, sem saber, acho que você deu a entrada na aquisição de um altarzinho personalizado na minha alma.
UPDATE

meu computador foi devidamente lobotomizado. agora o paciente atravessa uma delicada fase pós operatória. estamos tentando sanar, lentamente, as substanciais debilidades e sequelas que resultaram da intervenção. patience, patience.
ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

a horrorosa interface do blogger new melhorou um pouco, quem diria. o mundo caminha pra frente.

19 de julho de 2003

...

o caminho é o caminho.

18 de julho de 2003

ESTE FIM DE SEMANA

(IT MAY NOT ALWAYS BE SO; AND I SAY)

"it may not always be so; and i say
that if your lips, which i have loved, should touch
another's, and your dear strong fingers clutch
his heart, as mine in time not far away;
if on another's face your sweet hair lay
in such silence as i know, or such
great writhing words as, uttering overmuch,
stand helplessly before the spirit at bay;

if this should be, i say if this should be--
you of my heart, send me a little word;
that i may go unto him, and take his hands,
saying, Accept all happiness from me.
Then shall i turn my face and hear one bird
sing terribly afar in the lost lands"


(e. e. cummings, poeta americano)


17 de julho de 2003

DEFCON FIVE

meu computador esquizofrenou de vez. ora ele me pergunta, vem cá, essa palavra não tem acento não, menina?, ora ele me diz, acento? o que são acentos? ...aliás, quem é você mesmo? trevas. talvez ele precise de um tempo na nossa relação, de espaço para que desenvolver sua própria individualidade. tentarei ser compreensiva. mas se o paliativo não funcionar, lobotomia nele. e tenho dito.
...

"Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade."

(Clarice Lispector, in A Paixao Segundo G.H.)
I'M DROWNING IN PAPERWORK

como corolário lógico da minha inegável inaptidão para a vida, temos uma total inabilidade para qualquer espécie de atividade burocrática. não sei lidar com papel. por isso tenho a necessidade de ser assessorada, preciso de alguém pra fazer o trabalho sujo pra mim. lembrei disso porque hoje fui entregar meu relatório de estágio na defensoria pública do estado, e fiquei abismada por ter conseguido entrar e sair do lugar em menos de quarenta minutos, cumprindo com sucesso meu objetivo primário. pasmem, isso é sem precendentes: nenhuma objeção do tipo, isso aqui está cinco minutos fora do prazo, ou falta a cópia do documento XYZ, ou você não preencheu o verso do formulário 397P, volte daqui a duas semanas com isso em mãos, mais um requerimento com a assinatura de fulano, o visto de ciclano, e a xerox autenticada do título de eleitor da sua mãe com o carimbo da pata do seu cachorro. próximo. ... ah, você não tem cachorro? rodou. próximo. com licença, senhora, a senhora já foi atendida, por favor, o próooooooooooooooooximo. ...segurança!

não consigo evitar a sensação de que alguém comeu mosca. não é possivel que desta vez eu tenha feito tudo certo. não é possivel.

15 de julho de 2003

...

eu não tenho vocação para a vida.
...

não tá rolando. queria ter energia pra dizer o que quer que seja, mas não tá rolando. estou cansada, cansada, cansada. não é um cansaço físico, é um cansaço emocional, espiritual, mental, metafísico. não tá rolando. no todo, uma sensação de que viver dá muito trabalho, de que viver não vale o trabalho que dá. viver é trabalhoso, e sufocante, e cansativo, e difícil, e monótono, e chaaaaaaaaato. viver é desprovido de finalidade. viver me esmaga. e, nesse exato momento, não tá rolando. mesmo. mas não se preocupem, isso passa, daqui a pouco isso passa, eu passo, vocês passam, tudo passa. tudo passa. mas enquanto não passa, estou cansada. enquanto não passa, não tá rolando.
I GO TO THIS WINDOW

"i go to this window

just as day dissolves
when it is twilight(and
looking up in fear

i see the new moon
thinner than a hair)

making me feel
how myself has been coarse and dull
compared with you, silently who are
and cling
to my mind always

But now she sharpens and becomes crisper
until i smile with knowing
--and all about
herself
the sprouting largest final air

plunges
inward with hurled
downward thousands of enormous dreams"


(e. e. cummings, poeta americano)





enquanto estamos no assunto da fraude que todos somos, dou a notícia que, a esta altura, todo mundo já deve ter ouvido: o povo da fraude está de volta. agora subsidiado. eu diria, que legal, e emendaria com algum comentário mal ajambrado e dispensável a respeito de consumo irônico, de resistência ou de chutes na bunda do sistema. mas nem, tremi com o esporro do eduardo fernandes: "era pra ela ter morrido, mas adquirimos um péssimo karma, que repercutiu em diversos cantos do país e fez com que reencarnássemos no provedor terra. sim, nos associamos a uma multinacional. e daí? você doou alguma grana pro site quando precisamos? não? então shut da fuck up."

tá bom, tio. desculpa aí.

COISAS QUE EU OUVI NO FIM DE SEMANA

... sou preponderantemente movido por inércia.
... ninguém me leva a sério quando digo isso, mas eu tenho medo, muito medo, terror mesmo, de ser uma completa fraude.

ao que respondi, sim, una-se ao clube.

14 de julho de 2003

PASSENGERS, PLEASE STAY ON YOUR SEATS AND FASTEN YOUR SEATBELTS

a presente escassez de escritos se justifica por uma mini pane que atravessa o computador daquela que vos posta. até que as dificuldades técnicas sejam solucionadas, eventuais surtos serão registrados num caderninho e posteriormente publicados, se então julgados pertinentes. estamos trabalhando para melhor atendê-los. patience, patience.
(MAY MY HEART ALWAYS BE OPEN TO LITTLE)

"may my heart always be open to little
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old

may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
and even if it's sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young

and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there's never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile"


(e. e. cummings, poeta americano)

13 de julho de 2003

FOR AN UNKNOWN LADY

"Lady, if you'd slumber sound,
Keep your eyes upon the ground.
If you'd toss and turn at night,
Slip your glances left and right.
Would the mornings find you gay,
Never give your heart away.
Would they find you pale and sad,
Fling it to a whistling lad.
Ah, but when his pleadings burn,
Will you let my words return?
Will you lock your pretty lips,
And deny your finger-tips,
Veil away your tender eyes,
Just because some words were wise?
If he whistles low and clear
When the insistent moon is near
And the secret stars are known-
Will your heart be still your own
Just because some words were true? ...
Lady, I was told them, too!"


(Dorothy Parker, poetisa americana)

11 de julho de 2003

A BOA DA SEXTA



quem vê o flyer diz até que é minha a festa. não é. mas estarei lá. a menina da saia também. irá nem que tenha que ser arrastada pelos cabelos.
...

quanto mais me aproximar de mim mesma, mais me afastarei dos outros?
...

não consigo fugir dos clichês. hoje está frio, e chove, e eu estou deprimida. culpo o café, o maldito, e resisto à tentação de preparar uma xícara. e o coração pára um pouco de bater quando penso no abraço de um certo amigo. alguém que não abraço há muito tempo, alguém cujo abraço sempre faz o carrinho da montanha russa parar pra me dar uma folga de alguns instantes. esses são os santos verdadeiros no mundo, essas raras pessoas capazes de nos proporcionar alguma espécie de paz. esses os iluminados. perco o fôlego pensando nesse abraço, fico ansiando por ele vagarosamente, e em silêncio, enquanto ouço o barulho da chuva entre os intervalos das músicas do bob dylan. fecho os olhos e imagino a sensação, aquele abraço leve mas firme, que me envolvia toda sem me sufocar. absurdo o talento daquele menino, para, através de um gesto, fazer com que eu me sentisse amada, e aceita, e tranqüila, e suficiente, e feliz. você está bem assim, eu estou bem assim, tudo está bem assim, era o que ele me dizia sem precisar de palavras. fecho os olhos, e me lembro disso, e me sinto abraçada. e torço para que os muitos quilômetros que nos separam não sejam bastantes para impedir que ele sinta o mesmo, onde quer que ele esteja e o que quer que o esteja atormentando nesse momento. há sempre algo nos atormentando. espero que a lembrança de algum abraço faça por ele o mesmo que a lembrança do dele faz por mim. ele merece isso.
...

esse o downside dos estimulantes, depois de alcançar os cumes, vêm os vales. nos vales me lembro que não tenho estrutura pra junkie, e agradeço aos céus que minhas mais pesadas drogas de escolha tenham sido a cafeína, o ioga e a poesia do mundo. imaginem se algum dia eu resolvo enfrentar o balacobaco dos profissionais, the real stuff? desenvolver meu imenso potencial pra christiane f. drogada e quem sabe prostituída. hmmmm, thanks, but no, thanks. cafeína e passos imaginários rangendo noite adentro nos tacos de madeira da sala já me bastam. lembrem-me disso: nunca ir além do café. e, mais importante ainda: na próxima vez, lembrem-me de pegar leve no café.
...

"though i know that evenin's empire has returned into sand,
vanished from my hand,
left me blindly here to stand but still not sleeping.
my weariness amazes me, i'm branded on my feet,
i have no one to meet
and the ancient empty street's too dead for dreaming.

hey! mr. tambourine man, play a song for me,
i'm not sleepy and there is no place I'm going to.
hey! mr. tambourine man, play a song for me,
In the jingle jangle morning I'll come followin' you."

10 de julho de 2003

TÉDIO COM UM T BEM GRANDE PRA VOCÊ

odeio a música, mas se aplica. apesar de ter milhões de coisas pra fazer pra ontem, parece que minha capacidade de raciocínio foi elevada à enésima potência, porque minha cabeça está a mil resolvendo tudo e estou me desdobrando em incontáveis tarefas concomitantes. e, paralelamente, estou tomada pelo tédio mais impenetrável. um dos efeitos da cafeína.
JUNKIE

acho que levarei uns quatorze anos expurgar do organismo toda cafeína que consumi nos últimos cinco dias. não consegui dormir hoje, ela me fez ouvir incessantes rangidos imaginários de chinelos de borracha contra os tacos de madeira que cobrem o chão da minha casa. pelo menos não eram correntes, isso seria o cúmulo do clichê trash. squeak, squeak. enquanto contava os ruídos, fiquei acompanhando os traços que formam os números do rádio relógio alternarem suas posições de cinco a oito da manhã. levantei, preparei uma caneca jumbo de capuccino e voltei para o computador. abri vinte janelas do explorer, estou lendo cinco coisas ao mesmo tempo, ouvindo a tv passar barrados no baile na sala enquanto acompanho cantarolante bob dylan no cd player, redigindo um trabalho com prazo pra hoje a respeito de direito penal internacional. estou no pique. e taquicárdica. e entediada. cantando monotonamente mr. tambourine man, hey, mr. tambourine man, play a song for me, i'm not sleepy and there's no place i'm going to. dylan é o que há, seja ele bob dylan, dylan thomas ou o dylan de barrados no baile, existia alguma menina pré-adolescente que não suspirasse pelos cantos pelo luke perry lá no início dos anos noventa? o homem envelheceu, o personagem ficou datado, mas continuo preferindo os bad boys aos filhinhos de mamãe anytime. mas não estou falando coisa com coisa, então vou redigir meu trabalho de faculdade, porque em direito a gente pode ser incoerente mesmo. ninguém é mais incoerente que um bom advogado. o segredo é cobrir as pegadas, e ninguém nota. ah, parei. volto ao tribunal penal internacional.

9 de julho de 2003

...

mas agora preciso parar de me seguir pelos meus próprios caminhos. agora, preciso seguir os caminhos dos outros. agora, serão direitos reais, talvez almoço no vegetariano, e direito penal internacional. isso tudo se eu conseguir me manter afastada de mim por uns instantes. tarefa hercúlea. mas torçam por mim. não, por vocês, na verdade. enquanto não me sigo pelos meus caminhos, também não abuso da paci6encia de vocês com devaneios parca e porcamente registrados por aqui. então, torçam por mim.
...

mas se é só isso que faço, me tecer, desfazer o que teci, tecer de novo? sou penélope, aguardando ulisses, que também sou eu. e o que teço, isso sou eu, ainda. e o que desfaço, isso sou mais eu que todo o resto. e continuo tecendo enquanto me aguardo. e tento resistir ao canto das sereias enquanto procuro o caminho de volta a mim mesma. e desfaço o tecido enquanto continuo me aguardando. continuo me aguardando.
...

talvez eu tenha encontrado meu fio. e ele foi se desfazendo em milhares e milhares de fiapos, cada um atirado ao sabor de um vento diferente, numa direção diferente. e eu perdi meu fio porque o fio deixou de existir, e existem fios, fiapos , e eu percorra o mundo procurando saber onde eles foram atirados, numa insolucionável caça ao tesouro. mas não procuro tesouros. só fios. talvez um dia eu possa ser inteira novamente. talvez um dia eu possa me tecer de novo.
...

e, na próxima vez em que eu disser que penso muito, que penso demais, que penso mais do que deveria, então vocês acreditarão? não é frase de efeito. esse monte de posts aí embaixo, fui só eu seguindo o fluxo do meu pensamento. não me esforcei. só me segui. mentira, me esforcei para não perder nenhum pedaço do caminho. mas perdi, vários. enquanto me seguia pela avenida principal do meu pensamento, enquanto eu percorria a avenida principal, prosseguia por ela, eu entrava também pelas ruas marginais, pelas alamedas. como se, numa encruzilhada, fosse capaz de me dividir e seguir pelos dois, três, quatro, ene caminhos, sou capaz disso aqui, em meu próprio mundo. não sou capaz disso no mundo dos outros. mas mesmo no meu mundo, não sou capaz de me seguir enquanto o faço. isso tudo aí embaixo, isso foi só eu me seguindo por um dos caminhos que percorri ontem. e todo dia percorro caminhos. e nem sempre tenho disposição, fôlego, coragem para me seguir. às vezes tenho medo de me seguir.
...

um dia cairão os véus.
...

acho que é a finitude do deserto que me faz criar as miragens. ou talvez seja a riqueza das miragens que me faz ver finitude no deserto. um dia abdicarei das miragens, correrei o risco da finitude para encontrar oásis de infinitude entre a monotonia dos grãos de areia. para encontrar a umidade que permeia o pó. ela existe, eu sei que ela existe. um dia aprenderei o caminho. um dia abdicarei das miragens. um dia cairão os véus.
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um dia aprenderei a me levantar sobre meus dois pés no mundo dos outros. se aprendi a me levantar sobre eles no meu próprio mundo, aprenderei a fazer isso no dos outros. mas tenho medo de que o mundo dos outros seja pequeno demais pra mim, limitado demais pra mim, finito demais pra mim. serei então capaz de romper a casca do mundo dos outros para descobrir o resto, talvez meu próprio mundo fora de mim, talvez o vácuo sideral, talvez um novo mundo que não sei de quem é? talvez um mundo de ninguém. romper a casca do mundo dos outros para descobrir um mundo de ninguém. os outros não vou gostar. mas quem se importa com os outros?
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eu não consigo caber no mundo dos outros. eu me perco no mundo dos outros. e não me encontro, não me encontro jamais, e perco de novo e de novo o que nunca encontro. tentei. não consigo. mas tentarei de novo. tento.
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talvez não seja o vazio. talvez o que dói na vida seja isso, essa compulsoriedade em ocupar um espaço que não é nosso. se não nos fosse vedado ocupar apenas o nosso mundo pessoal, talvez não doesse. talvez não doesse se não fôssemos dolorosamente expirados, expurgados, expelidos para todos os lugares que não nos pertencem, que não criamos, onde não cabemos. talvez não doesse se nos fosse permitido permanecer pra todo sempre no útero confortável do nosso próprio mundo.
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e tudo que sei nesse exato instante é isso, que o mundo dos outros não mais me serve. seja o mundo dos outros a miragem dos outros, seja o deserto dos outros. mas é dos outros, e por isso mesmo não me serve. tudo me falta nele, não tenho espaço, não tenho atmosfera, não respiro no que não é meu, o que não é meu me sufoca. definho no mundo dos outros, a cada dia. e luto pra respirar. e definho. e me perco nele.
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também temo me afastar demais de mim. desconfio que esteja me afastando de algo diverso de mim, de algo como um espelho, quanto mais me afasto da minha imagem que reflete, mais me aproximo do meu corpo refletido. mas talvez seja o oposto, e isso de que fujo seja eu, e isso de que me aproximo seja a ilusão. a miragem.
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é isso. e me vejo ansiando novamente pelo deserto. pela quebra das correntes. pela morte, a morte metafórica, o definhar dessa minha casca. anseio pela morte da casca porque já não me reconheço nela. não me reconheço mais na minha casca sendimentada. a miragem que inventei pra mim mesma já não me convence mais. e ela convence tantos. eu convenço tantos. e anseio pela morte metafórica daquilo que acham que sou, daquilo que eu acho que sou, daquilo que eu que eu me convenço ser enquanto intuo não ser. ou pela morte real, de que importa? retornarei ao pó de uma forma ou de outra. retornaremos todos. mas anseio pelo pó. quero o deserto, porque essa miragem não mais me serve.
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temo que o deserto que vislumbro, o deserto pelo qual anseio, também não passe de mais uma miragem.
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é no deserto que os oásis encontram sentido, é nos oásis que o deserto encontra sentido. e a miragem? não tem sentido. rouba o sentido do resto. quer dar sentido ao resto. tudo bem, que o resto tenha sentido, mas que todo sentido parta de mim. e o que parte dela é a lógica invertida que encontramos no espelho, que transforma direita em esquerda, esquerda em direita. lógica que desvirtua. a miragem inverte o sentido, desvirtua o sentido, e ao desvirtuar o sentido torna o sentido inútil. é fugir? quem garante que o sentido dos desertos e oásis é o que merece ser perseguido? mas pressinto que isso é a lógica da miragem falando. e ando em círculos enquanto tento me libertar dela, quanto mais tento me libertar dela, melhor ela me aprisiona. não consigo encontrar o caminho para fora da miragem. e enquanto isso me vem à cabeça, eis que vislumbro uma ponta de deserto, um vago gosto de pó na boca. talvez também seja miragem. veremos.
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mas como não percebi isso antes - é no deserto, só no deserto, que os oásis têm algum valor, mas como não percebi antes? na miragem, eles se misturam na paisagem, se perdem nela, são tímidos, se recolhem ao segundo plano e vão desaparecendo. vão saindo de fininho. só no deserto eles se mostram em toda sua glória. só no deserto eles ganham sentido.
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talvez ver o deserto seja também ver os oásis. não sei se há oásis. não sei se os encontrarei. na miragem eu sempre os encontro, a miragem é toda um imenso e farto oásis. não sei se os encontrarei no deserto. meu medo é jamais encontrá-los verdadeiramente. meu medo é jamais procurá-los no lugar certo. meu medo é jamais procurá-los.
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é isso. vivemos de miragem. mas será que é melhor viver de deserto?
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não, a vida é a vida. é deserto. é oásis. a miragem é a vida que surge refletida nos nossos olhos. é aí que está a ilusão. nos nossos olhos. mas vivemos do que enxergamos nos olhos dos outros, dos nossos próprios olhos, vivemos de cognição. vivemos de ilusão. vivemos de miragem. a vida não é miragem. mas vivemos de miragem. é isso?
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então tudo isso é miragem? tudo isso é a miragem que crio para não enxergar o deserto, a realidade é deserta, é árida, não quero parte nela. melhor viver de miragem. se é que miragem dá sustento. eu duvido. mas também não conheço ninguém que viva de pó. e a realidade é de pó ressecado a um sol esturricante, a realidade é desse gosto de pó absorvendo sedenta a nenhuma saliva que temos, a pouca vida que temos, a realidade é estéril e quer nos roubar nossa vida porque vida lhe falta. ninguém vive do que é estéril. ninguém vive de pó. talvez não seja só eu, talvez todos inventemos miragens para não morrer do pó de onde viemos. para onde retornaremos. todos retornaremos ao pó. é dele que fugimos, não é? da realidade, do deserto, do pó. a vida é miragem.
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e me afasto cada vez mais daquilo que acredito ser, daquilo que acredito querer me tornar, e tenho a impressão de me aproximar do que sou, do que quero ser, enquanto o faço. mas isso também é miragem. precisa ser.
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e de novo as palavras me traem. na preocupação com palavras, perdi o fio da meada de mim mesma. perdi o fio de mim. não sei se algum dia tive o fio da minha meada nas mãos, algum fio eu tinha, acho eu. será que aquilo era eu? ousada a idéia, talvez um dia eu me tenha tido em minhas mãos, em minhas próprias mãos. e talvez eu me tenha em minhas próprias mãos nesse exato momento, e não esteja percebendo que me tenho agora como não percebi que me tinha antes. afasto a idéia, me encolho diante da responsabilidade obscena que acompanha a idéia, a responsabilidade me assusta. que idéia. que ousadia. quem sou eu pra ousar isso, acreditar que me tenho em minhas próprias mãos? quem sou eu pra isso? uma idéia dessa, assim, na lata, de umazinha qualquer saída de lugar nenhum. sou umazinha qualquer. que idéia.

8 de julho de 2003

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passamos a vida nos entorpecendo para isso, para esquecer. e nos entorpecemos de tudo. eu me entorpeço comigo, mergulho em mim para fugir do resto, mas tudo é fuga mesmo, e se não furgirmos estaremos fitando um ponto invisível na linha do horizonte, encarando o nada nos olhos e o nada nos encarando de volta. e nada, porque não há nada além de nada a ser feito. e o que queremos esquecer, eu me pergunto, e não sei se é esse nada tão cheio de tudo, se é um tudo tão cheio de nada. o que há de tão angustiante nesse nosso existir, se é a falta de angústia que angustia tanto que precisamos criar alguma angústia para preencher, o tudo, o nada. é isso que angustia, os espaços em branco? cada vez mais isso me olha nos olhos, essa minha necessidade de criar conflitos quando eles não se oferecem espontaneamente, de me alimentar dos conflitos que crio, e os conflitos que crio são tão melhores que os que a vida arquiteta que tenho medo de estar rejeitando a vida para abraçar meus inventos. estou? estive sempre?
SIM, É ISSO.

palavras são prostitutas.
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ser menos verbal está quase virando uma missão de vida. minhas palavras me traem, sempre sempre. a verdade não pode estar nelas, e se não está nelas, só pode estar por trás delas, acima delas, além delas. a verdade está no silêncio, nas entrelinhas do silêncio, nas pausas para a respiração do silêncio. a verdade não está nas palavras. não nas palavras. palavras são prostitutas. um bom advogado saberia.
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aliás, ando me irritando cada vez mais com pessoas que sacrificam sentido em troca de frases de efeito. eu devia fazer menos isso, aliás.
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sempre me divirto quando as pessoas tomam minhas palavras em sua mais completa literalidade. tenho vontade de dizer, não, nada disso. são só palavras, cara pálida. só palavras. sejamos menos verbais.
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talvez esqueçamos porque precisamos esquecer, a experiência é tão poderosa, tão totalizante, ai de nós se nos entregarmos a ela, ela nos engole, nos digere, nos destrói. protejam-me da verdade definitiva, não sobreviverei a ela. e eu quero sobreviver. quero? às vezes não. às vezes quero me entregar. às vezes quero morrer. às vezes anseio por isso, às vezes quando é madrugada, e o silêncio me tira o sono, e a expectativa pelo fim insondável me tira o fôlego, então eu o desejo, eu imploro a ele, to take into the air my quiet breath. please do. mas logo o dia amanhece. e logo esqueço. porque preciso esquecer. é, acho que é por isso.
DISCLAIMER

nesse exato momento, a única coisa que me impede de capotar são as doses indecentes de cafeína que consumi nos últimos dois dias. imploro pela paciência das muitas pessoas que demandam minha atenção através de telefonemas, e-mails, conversas importantes ou fiadas no icq. deixem seu recado. retornarei quando acordar.
REFLEXÃO

ninguém cobrando atualizações. ou meus leitores estão muito bem adestrados, ou só aparecem por aqui pessoas próximas por mero dever de ofício, dando graças a deus quando não escrevo nada, eba, hoje não preciso fingir que leio um a um os intermináveis surtos dessa maluca. na dúvida, meu voto vai para a segunda opção.

5 de julho de 2003

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estendo a mão para tocar seu rosto, mas não, me detenho, ainda estou verde. isso nunca me impediu antes, por que me impede agora? será que aprendi? ainda estou verde. mas não. acho que não. acho que não aprendi, porque já me esqueço. deve ser isso o fluxo, deve ser por isso que me esqueço, para percorrer novos caminhos devemos abandonar os antigos, esquecer os antigos, será? mas e se caminho em círculos, e visito incessantemente os caminhos esquecidos de antes, como ter certeza de que caminho, de que estou indo para a frente, de que não estou engaiolada, de que não estou aprisionada num aquário? ainda estou verde, e não estendo a mão para tocar seu rosto por medo de ver o percurso interrompido prematuramente pelo vidro de um aquário que eu não enxergo mas que talvez esteja lá. digo a você que venha até mim, mas será que você me escutará através das barreiras transparentes que não sei se existem? você não vem ainda. talvez você ainda esteja verde. talvez enxergue o vidro que talvez sim, talvez não, nos separe.ou talvez o aquário não seja meu, talvez ele seja seu. ainda estamos ambos verdes e talvez separados pelos círculos em que caminhamos. até quando? tento me lembrar do caminho, a resposta estará nele, mas me perco na lembrança dele, me esqueci, não vislumbro mais o que se estende à frente. talvez nunca tenhamos nos encontrado, talvez nunca mais venhamos a nos encontrar, talvez venhamos a orbitar em círculos paralelos, concêntricos, que não se cruzarão jamais. quero tanto que não seja assim, quero tanto um dia não estar mais verde, quero tanto um dia encontrá-lo quando você não estiver mais verde, quero tanto me lembrar disso tudo que quero hoje, tanto e tanto. e me sussurram no ouvido, você se esquecerá. e sinto a memória me escapando. olho na sua direção, você não está mais lá, você desapareceu. ou será que fui eu que parti?
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tateio o caminho às cegas. sim, eu sei, me deram o mapa, mas eu o guardei muito bem guardado num lugar tão secreto que nem eu mais sei qual é, e não o encontrei mais. tateio o caminho às cegas enquanto tento me lembrar onde está o mapa. enquanto tento me lembrar o que dizia o mapa. enquanto tento me lembrar se de fato algum dia existiu um mapa.
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vivo nesse esforço constante para não me esquecer. mas me esqueço. tudo aquilo que me vem como jatos de absoluta claridade acaba rapidamente sendo engolido, dissolvido, borrado por tudo de irrelevante que povoa o mundo. e me esqueço. como se me suspirassem a verdade definitiva no ouvido, e eu a escutasse inatenta, e logo em seguida não conseguisse mais discernir o que escutei, o que você me disse mesmo? e quem me disse não está mais lá. quem me disse a verdade definitiva que eu não escutei desapareceu na multidão. e eu vou indo, de rosto em rosto, tentando encontrar. tentando lembrar. mas já me esqueci.

4 de julho de 2003

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e de repente, é isso. não precisamos das respostas, as respostas estão sempre debaixo do nosso nariz. o pulo do gato está nas perguntas. saber quais são as perguntas. ter a coragem para formular as perguntas, para pronunciá-las em voz alta. é como convocar fantasmas, espíritos com vontade própria e diversa da nossa. recitar alguma frase esquecida e amaldiçoada em latim e trazer para essa terra algo que não deveria estar aqui, as coisas são tão mais naturais e mais limpas e mais sãs quando não questionamos nada, quando conseguimos agir como plácidas vaquinhas de presépio. por que eu não consigo preservar essa sanidade, por que eu preciso convocar demônios ancestrais que vêm castigando a humanidade desde antes da humanidade existir, que não podem ser vencidos, destruídos, exorcizados? que não nos servem? as perguntas têm uma vida que é só sua. uma vez chamadas, ficam, não vão embora nunca nunca nunca. e são suas próprias senhoras, às vezes se tornando também nossas senhoras. eu corri o risco. eu recitei a frase proibida. eu as convoquei. eu sou amaldiçoada por elas. ou abençoada, quem sabe? um dia saberei. um dia.
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talvez por isso tenha aprendido a ser platônica. o que eu desejo não me ameaça se eu aprender a me manter distante. sou uma mariposa com um absurdo instinto de sobrevivência, eu sei que a luz será o fim, não a persigo, observo-a a distância segura. mentira, já cheguei perto dela, morri no percurso. talvez seja isso, meu medo de morrer de novo. não, medo de morrer não: medo de não renascer novamente das cinzas de mim mesma. medo de me perder. e será que estou perdendo o essencial enquanto me mantenho afastada do que me destruirá? será que perder não é encontrar? quebrei as correntes da gravidade que me chamava para a luz, mas será que também me aprisiona essa gravidade que me mantém afastada? conheço a resposta para essa pergunta, mas ainda não consigo me responder em voz alta. ainda não consigo me fazer a pergunta em voz alta. ainda me falta coragem.
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e de novo aquela ânsia de quebrar todas as correntes, despojar-me de tudo o que é desnecessário, encontrar o que é verdadeiramente essencial em mim. isso vem e vai, vem cada vez mais ultimamente, demora cada vez mais pra ir. será que isso um dia passa? ou pior, será que no futuro esse chamado será tão alto que se torne inconcebível que eu o ignore? a dor de encontrar o fundamental, de renunciar a todo resto, me seduz, me fascina. e como tudo que me fascina, me enche de um terror primordial. não há nada que eu tema mais do que aquilo que desejo.
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"Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitavade andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar."

(Clarice Lispector, in A Paixão Segundo G.H.)
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resolvi reler a paixão segundo g.h., e ele me fala tanto sobre meu momento que parece que nunca o li, parece que não é o mesmo livro da minha adolescência, em cada linha algo que me é totalmente novo. lembro-me de que um homem não se banha duas vezes no mesmo rio, o homem muda, o rio muda, somos seres dotados de dinamismo, mudamos, nos movimentamos, nos transformamos. mas livros são estáticos, as palavras permanecem sempre cristalizadas no amarelo crescente e sutil de folhas de papel antes em branco. aguardando novos visitantes. e confirmo aquilo que eu já sabia, o mais importante nos livros não é aquilo que está dito, é o que não se diz, o que permanece oculto atrás das entrelinhas. e essa é a parte que muda. a paixão segundo g.h. não é o mesmo livro porque que o lê é meu eu presente, bem diferente do meu eu passado, e, espero, mais diferente ainda do meu eu futuro. eu não sou a mesma, então o livro mudou comigo. não se enganem: somos nós que escrevemos os livros.

3 de julho de 2003

*EXAUSTA*

tenho umas bobagens que anotei num caderninho esperando pra vir pra cá, mas depois, porque a minha pilha vai esgotar daqui a uns...................................
12 DE FEVEREIRO

"Me vejo dividida em duas, eu e a outra que se fragmentou e que está tentando agora unir os pedaços do que foi um todo e se repartiu. Pergunto se isso seria a loucura. Essa impossibilidade de ordenar o que se desordenou. Como o vento soprando numa mesa de papéis avulsos que se soltam no ar e se perdem no chão, debaixo dos móveis, por entre os objetos - há um pedaço escapando pela janela, cuidado!

A mente fragmentada. Ela está contida inteira neste fragmento que consegui captar. Está neste fragmento e está num outro lá adiante, se dividiu, quero-a única e ela ficou múltipla, não se fixa. Ou se fixa obsessivamente num só ponto, a atenção concentrada, cristalizada, virou cristal de rocha. Espero que ela mesma decida
quando mas não pergunto por quê. Baixou o olhar esquivo para lonjuras que não alcanço - ei! está me ouvindo? ei! - repito. Está me ouvindo e não está, de novo um fragmento de papel que o vento leva até a praia, ficou aérea, uma criança quis agarrá-la para fazer um barquinho mas ela foi mais alto. Quando caiu no mar, entrou pela boca de um peixe de prata e se lembrou então da história de um homem que ficou morando dentro de uma baleia, seria bom? ela pergunta. Morar lá dentro. Com o óleo de baleia podia acender uma lamparina. Mas não fala nisso, não convém ficar falando, as pessoas em redor andam desconfiadas, melhor o silêncio. O silêncio. Encosta a testa no vidro da janela, precisa se apoiar em alguma coisa e se apóia nesse vidro mas se assusta quando se vê deformada, estou assim? Passo a mão na sua face e com as pontas dos dedos fecho a minha boca, foi só um reflexo, está tudo bem, digo e ela vendo pela janela do trem a paisagem correr lá fora, corre paralela e em sentido contrário, é monótono mas é belo, beleza é mesmo isso, monotonia. Boceja. Ficou sonolenta. E comovida porque no mesmo carro viaja a antiga pajem preta, a Guiomar, brincavam de estátua. Vê também o amor que morreu faz tempo, é ele sim! meio escondido na sombra, não distingue bem suas feições mas ouve o seu chamado vindo de longe, tão longe, está me chamando com tanto carinho, Kuko!... Enxugo os olhos, ah, se ele pudesse ficar comigo, diz. Se ele ficar comigo, estarei salva salva salva.

Me vejo lúcida e me animo, puxo-a pela mão, imploro, volta! e ela me beija e o seu sorriso é de quem pede desculpas por estar enlouquecendo: voltei e não volto nunca mais."


(Lygia Fagundes Telles, in A Disciplina do Amor)

2 de julho de 2003

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durante tanto tempo isso me foi tão importante, tão sagrado. ser ouvida. o que eu não daria então pra ser ouvida, pra berrar minhas pseudo verdades, pra que o mundo se calasse pra escutar o eco. hoje não. há momentos em que tantos se dispõem a ouvir, tantos, mas não, hoje não. hoje apenas sussurro de leve minhas dúvidas em ouvidos cuidadosamente escolhidos. e guardo meu silêncio. e essa percepção é atordoante, do quanto digo quando pouco digo, do quanto digo quando nada digo. atordoante, a medida do silêncio. guardo meu silêncio.
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é sempre interessante constatar isso, as pessoas se preocupam, as pessoas não compreendem. não compreendem. se iludem, assistimos você de camarote, sabemos o que você sente, sabemos que você está sofrendo agora, sabemos que isso é um grito de socorro. e porra nenhuma. mas se preocupam porque não compreendem. sinto a gana de me fazer compreendida, estou bem, veja só. chego a abrir a boca pra explicar, mas desisto antes de proferir qualquer som. não compreendem. nem compreenderão. não tento explicar. digo que estou bem enquanto sorrio esfíngica, eles vislumbram que tenho um segredo, mas não decifram. não decifrarão. acham que é sofrimento, acham que eu me fecho, acham que não permito que me alcancem por medo de me tornar vulnerável. não percebem, já estou vulnerável, já me abri, já permiti que me tocassem, que tentassem me salvar, mas não há nada a ser salvo porque não há nada em perigo. continuo esfíngica em meu silêncio, continuo bem em meu silêncio, melhor ainda porque se preocupam. pessoas se preocupam.

1 de julho de 2003

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"there's always a siren singing you to shipwreck
stay away from these rocks
we'd be a walking disaster

just cos you feel it
doesn't mean it's there
"
WE'RE ACCIDENTS WAITING, WAITING TO HAPPEN

o ponto alto do meu dia surgiu de uma inusitada convergência entre a avenida presidente wilson ensolarada, uma brisa cheirando a tangerina, e essa voz me rasgando o ouvido.
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farei uma plaquinha com isso. ao entrar, favor deixar o ego na porta. obrigada.
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melhor dizendo, talvez deixar o ego na porta seja uma boa idéia na maior parte do tempo.
A POSTERIDADE É SUPERESTIMADA

é, também preciso parar de constatar o óbvio ululante.
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também não sei se é possível escrever algo que seja essencialmente verdadeiro. e aí, já no primeiro parágrafo do meu achado internético, rilke me pega pela goela, quando diz que "things aren't all so tangible and sayable as people would usually have us believe; most experiences are unsayable, they happen in a space that no word has ever entered". e volto a pensar que preciso urgentemente deixar de ser tão verbal. experiências, na essência, são inexprimíveis, inverbalizáveis, intraduzíveis. daí porque quase nunca consigo dizer exatamente aquilo que quero dizer, estou sempre atrás desse algo que existe por trás das palavras, lá no espaço que existe além delas. não é que me falte o vocabulário: é que nenhum vocabulo é capaz de penetrar nesse espaço. foi rilke quem disse, não eu. e eu poderia falar de clarice também, mas não. já falei disso antes, já falei disso demais. também preciso urgentemente parar de me repetir.
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talvez desistir de escrever para a posteridade deva ser o primeiro passo do caminho de escrever algo verdadeiro. foda-se a posteridade. foda-se deixar marcas no mundo. todos deixamos marcas no mundo, isso é fato. e outro fato é que toda e qualquer marca no mundo é irrelevante, são apenas pontos formando um desenho maior que a erosão do tempo apagará de qualquer maneira. desde as classes de alfabetização, as crianças deveriam ser ensinadas a fazer isso, para começar a escrever, deixem o ego na porta. a posteridade agradece.