30 de dezembro de 2003

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"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)
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novamente vou passar o fim de ano junto do mar. me sinto clautrofóbica sempre que não passo o fim de ano junto do mar. como se me faltasse uma janela, uma saída. como se tudo de fechasse ao meu redor e me faltasse o ar. como se minha vida se fechasse sobre mim e não houvesse saída. não há saída, não há. mas o mar me ilude, o mar me diz, por via das dúvidas, há sempre a áfrica. se não for aqui, em outro lugar talvez. o mar me dá a opção que de fato não tenho: se não der certo aqui, há sempre a áfrica. atrás de algum oceano impercorrível, há sempre a áfrica. se não der certo aqui: ainda tenho a áfrica. tenho a áfrica e meus oceanos impercorríveis.

feliz ano novo. passem junto do mar, com aquilo que torna isso tudo ao menos suportável: a visão de um oceano, de uma áfrica hipotética.
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é como se pedisse desculpas o tempo todo, por isso. por mim. por fazer você me amar, por mostrar a você esse engodo que sou e por fazer que você o ame. é como se devesse a você toda sorte de gratidão e toda sorte de arrependimento, como se estivesse cometendo o grande crime de submeter você à minha presença e de enganar você com a mentira de que minha companhia é boa. não é, claro que não é. não me cabe na cabeça que você queira estar comigo, mas não é possível, não é, não me faça de idiota: você não quer estar comigo, nem eu quero estar comigo, como alguém pode querer estar comigo? tudo não pode passar de um engano, de um equívoco, de um grande mal entendido. não é possível que você me enxergue e que você ame o que enxerga. voce deve estar enganado a meu respeito, sim, você está. porque eu sou uma grande farsa, um grande engodo. e peço desculpas pelo que sou de mentira, pelo que sou de verdade. peço desculpas o tempo todo, e por enquanto você não acredita no que peço. um dia você acreditará. para meu desespero, para meu mais absoluto desespero. um dia você acreditará.
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"Ah, há dias admiro o esplendor destes (...) pequenos fragmentos e envergonho-me bastante de não ter sido feliz quando podia passear no meio de tudo isto, de tal abundância. Vivemos tão mal porque chegamos sempre inacabados ao presente, incapazes e dispersos em tudo. Não consigo me recordar nenhum momento da minha vida sem tais censuras e outras maiores."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)
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por que você acha que escrevo desse jeito, por escolha? por *sigh* talento? chega a ser risível, talento, que talento? nenhum. o que escrevo NÃO É BOM, não é. não escrevo, escrever é criar, não crio nada, só repito o que já se passou no peito. registro. e o que registro tem pouco sentido porque eu não tenho muito sentido, sou desse jeito, penso desse jeito, sinto desse jeito, um jeito repetido, sem pontuação, sem métrica, sem continuidade, sem nexo, sem ordem. se fosse boa, haveria ordem. haveria um grande discurso por detrás das entrelinhas, uma grande mensagem a ser psicografada, entendida, dissecada, estudada, alguma grande mensagem que mudaria a minha vida e a sua. alguma grande visão. e não há. não há. o que digo está no raso. preste atenção, perceba: não há quase nada nas entrelinhas. não sou boa. não escrevo desse jeito por escolha. não escrevo por escolha. registro. registro. registro.
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meu perceber é desordenado, meu sentir é desordenado. desordenado, caótico, mal gerenciado, mal administrado, mal digerido. mal alcançado. por mim, por você, pelos outros. estendo a mão e não me alcanço. eu não me alcanço. como pedir que você o faça?
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d i  s    p     e       r          s                  a
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"Deixai-me limpo
O ar dos quartos
E liso
O branco das paredes

Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

29 de dezembro de 2003

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não sei fazer uma avaliação segura deste último ano.olho pra trás e vejo fatos, fatos, fatos, uns por cima dos outros, desordenados, caóticos. como os papéis que me rodeiam por todos os lados, na escrivaninha, em cima da cama, ao lado do computador, embaixo. como meus livros. como meus cds. tudo que me rodeia é caótico. estou começanco a achar que o caos sou eu mesma.

mas enfim, não sei avaliar o ano, assim, feito todo mundo, globalmente: não sei dizer se foi um ano bom, se foi um ano ruim. foi um ano. como outros foram, como mais outros ainda serão. cumpri algumas resoluções, ignorei outras solenemente. foi bom. foi ruim. foi um ano. outros serão, se eu não sair na rua e morrer atropelada por algum veículo desgovernado daqui a cinco minutos. ou seis. ou sete. não acontecendo isso, outros anos serão. o ano que vem será.

odeio essas épocas de reavaliação, jogar o lixo fora, arrumar o que fica. sou péssima nisso. tudo acaba ficando, ficando, ficando. e ficando. a inércia, a maldita inércia. não a vencerei no ano que vem, mas prometo lutar contra ela. essa a minha primeira resolução. talvez a primeira também a ser ignorada tão logo o ano que será comece a ser. quem sabe? eu não. ano que vem eu digo. ou não.

27 de dezembro de 2003

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"esse súbito não ter
esse estúpido querer
que me leva a duvidar
quando eu devia crer

esse sentir-se cair
quando não existe lugar
aonde se possa ir

esse pegar ou largar
essa poesia vulgar
que não me deixa mentir"


(paulo leminski, poeta brasileiro)

25 de dezembro de 2003

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"É tão vasta a noite na montanha. Tão despovoada. (...)

Tenta-se em vão ler para não ouvi-lo, pensar depressa para disfarçá-lo, inventar um programa, frágil ponte que mal nos liga ao subitamente improvável dia de amanhã. Como ultrapassar essa paz que nos espreita. Montanhas tão altas que o desespero tem pudor. Os ouvidos se afiam, a cabeça se inclina, o corpo todo escuta: nenhum rumor. Nenhum galo possível. Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio? Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te abençoar?

É um silêncio (...) que não dorme: é insone: imóvel mas insone e sem fantasmas. É terrível - sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e 'diga' alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Como eu (...)? Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Mas nas noites que passei (...) não havia vento e cada folha estava incrustada no galho das árvores imóveis. Ou se fosse época de cair neve. Que é muda mas deixa rastro - tudo embranquece, as crianças riem brincando com os flocos, os passos rangem e marcam. Isso durante o dia é tão intenso que a noite ainda é povoada. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve. O silêncio é a profunda noite secreta do mundo. E não se pode falar do silêncio como se fala da neve: sentiu o silêncio dessas noites? Quem ouviu não diz. Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras.

A noite (...) desce com suas pequenas alegrias de quem acende lâmpadas com o cansaço que tanto justifica o dia. As crianças (...) adormecem, fecham-se as últimas portas. As ruas brilham nas lajes e brilham já vazias. E afinal apagam-se as luzes das casas. Só um ou outro poste iluminado para iluminar o silêncio.

Mas este primeiro silêncio (...) ainda não é o silêncio. Que se espere, pois as folhas das árvores ainda se ajeitarão melhor, algum passo tardio talvez se ouça com esperança pelas escadas.

Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da Terra e da Lua. Então ele, o silêncio, aparece. E o coração bate ao reconhecê-lo: pois ele é o de dentro da gente.

Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta - como arde (...), por ser chamada e responder; - cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio. Mas isto os da maçonaria sabem. Quantas horas perdi na escuridão supondo que o silêncio te julga - como esperei em vão ser julgada pelo Deus. Surgem as justificações, trágicas justificações forjadas, humildes desculpas até a indignidade. Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença.

Até que se descobre (...) - nem a tua indignidade ele quer. Ele é o Silêncio. Ele é o Deus?

Pode-se tentar enganá-lo também. Deixa-se como por acaso o livro da cabeceira cair no chão. Mas - horror - o livro cai dentro do silêncio e se perde na muda e parada voragem deste. E se um pássaro enlouquecido cantasse? Esperança inútil. O canto apenas atravessaria como uma leve flauta o silêncio. O que mais se parecia, no domínio do som, com o silêncio, era uma flauta.

Então, se há coragem, não se luta mais. Entra-se nele, vai-se nele para o Inferno? Vai-se com ele, nós os únicos fantasmas de uma noite (...). Que se entre. Que não se espere o resto da escuridão diante dele, só ele próprio. Será como se estivéssemos num navio tão decomunalmente enorme que ignorássemos estar num navio. E este singrasse tão largamente que ignorássemos estar indo. Mais do que isso um homem não pode. Viver na orla da morte e das estrelas é vibração mais tensa do que as veias podem suportar. Não há sequer um filho de astro e de mulher como intermediário piedoso. O coração tem que se apresentar diante do Nada sozinho e sozinho bater em silêncio de uma taquicardia nas trevas. Só se sente nos ouvidos o próprio coração. Quando este se apresenta todo nu, nem é comunicação, é submissão. Pois nós não fomos feitos senão para o pequeno silêncio, não para o silêncio astral.

Se não há coragem, que não se entre. Que se espere o resto da escuridão diante do silêncio, só os pés molhados pela espuma de algo que se espraia de dentro de nós. Que se espere. Um insolúvel pelo outro. Um ao lado do outro, duas coisas que não se vêem na escuridão. Que se espere. Não o fim do silêncio mas o auxílio bendito de um terceiro elemento: a luz da aurora.

Depois nunca mais se esquece (...). Inútil até fugir para outra cidade. Pois quando menos se espera se pode reconhecê-lo - de repente. Ao atravessar a rua no meio das buzinas dos carros. Entre uma gargalhada fantasmagórica e outra. Depois de uma palavra dita. Às vezes no próprio coração da palavra se reconhece o silêncio. Os ouvidos se assombram, o olhar se esgazeia - ei-lo. E dessa vez ele é fantasma."


(Clarice Lispector, descrevendo um silêncio que - ela não sabia - é o meu)
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clarice me falou longamente sobre o silêncio hoje. talvez eu fale a vocês. já falei. talvez eu fale mais.
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e a vida nos cairá sobre as cabeças, disse ela, profeticamente. quando estivermos convencidos de que nada se move, então a vida se revelará com todas as suas revoluções vertiginosas que acontecem o tempo todo principalmente quando tudo parece estático. quando tudo parecer estático então a vida nos cairá sobre as cabeças. profeticamente.
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em todos esses instantes em que tudo se põe em pausa tudo acontece. é isso a vida, esse movimento incessante sob a imobilidade, a mais absoluta imobilidade.
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o silêncio de hoje é da solenidade de um toque de trombetas. anuncia a chegada de algo, o que? fico esperando aquilo que talvez o silêncio anuncie surgir, mas nada surge ainda. nada surge e o silêncio ainda ressoa como trombetas. e talvez não seja o soar de trombetas para uma chegada, talvez seja o oposto, talvez a derradeira homenagem a algo que parte, a extrema unção, o funeral para a morte de algo, o que? aguardo aquilo que talvez o silêncio vele ser sepultado, mas nada é sepultado ainda, os fantasmas são os vivos ainda vivos mas não vivos por muito tempo, circundando por perto mas não perto o suficiente, vigiando de longe mas não longe o suficiente. nada é sepultado ainda, os fantasmas são gente viva. e o silêncio ainda ressoa como extrema unção. o silêncio de hoje é solene, o silêncio de hoje pesa, insustentável, insuportável, o silêncio de hoje preenche tudo com tudo que não pode ser som, com seu vazio absoluto que tem forma peso som, por que não? um som sem som. um som oco de vacuidade, uma vacuidade solene. grave. anuncia, uma chegada, uma partida, algo. algo. aguardo o que é anmunciado. o que anuncia. aguardo o que. o que. o que é o vislumbre. suporto o silêncio que o precede. suporto, é a palavra chave. o silêncio hoje é algo a ser suportado.
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há tanto, e tudo está à espreita, tudo está aguardando o momento certo, o vislumbre daquela curta janela de oportunidade, e então o bote. e não é paranóia, juro que não. em todos esses instantes em que nada acontece, em que tudo dorme e tudo se põe em pausa, a vida está em tocaia. preparando o bote. não duvidem: daqui a menos tempo do que deveria, a vida o destino a fatalidade nos cairá sobre as cabeças e tudo vai mudar. não duvidem. a vida não falha.
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e o que me enerva é querer de você aquilo que não quero querer de você. tudo que não quero de você, não verdadeiramente. tudo isso que você não me oferece, esse tudo que me faz amar você, exatamente porque, precisamente porque. porque você não me oferece tudo. você não me oferece tudo, e eu quero tudo mas não quero tudo, e esse querer sem querer, esse querer só quando me distraio e deixo meus ares de ditadora fluirem soltos é o que me enerva. quero seu sangue, me dê seu sangue, não, não me dê seu sangue, não quero seu sangue, não de verdade. mas de madrugada, quando tudo dorme, quando tudo cala, me distraio, escapo da jaula, estou à espreita, predadora de você, de mim, quero sangue, ataco a sua jugular, me perdoe por isso, por favor, me perdoe por isso. e me aprisiono, e lambo as suas feridas. as minhas. é isso que me enerva: que as suas feridas, essas mesmas que abro em você, são minhas. também as que não abro, mas as que abro, ah, as que abro são mais minhas, bem mais minhas. e que não quero abri-las, não verdadeiramente, mas quero, como quero, abri-las, sempre que me distraio, sempre que escapo. e novamente me aprisiono, até que seja madrugada de novo, até que meu carcereiro se distraia de novo, e me liberto te firo me aprisiono. me dê seu sangue, não não não não me dê seu sangue, não quero seu sangue, não de verdade. matamos aquilo que amamos, é isso, não é isso? morremos por aquilo que amamos, nos matamos por aquilo que amamos, matamos aquilo que amamos. talvez isso seja o perdoável, isso, que eu só queira matar em você na medida do que quero matar em mim. por você, quero matar aquilo que preciso aprisionar em mim. por mim, aquilo que preciso aprisionar em mim quer matar você. e talvez tudo se equilibre no final, maybe it evens out. talvez tudo seja perdoável, por favor me perdoe, sou humana, sou falha, sou incoerente, sou fragmentada, sou contraditória, sou autodestrutiva, sou destrutiva, eu não sirvo pra nada, eu não sirvo pra ninguém, eu não sirvo pra mim, desse jeito, criminosa, prisioneira, algoz, carcereira, tudo de mim, sempre de mim. me perdoe por isso, eu não sirvo pra você, não sirvo, porque vou no seu sangue assim querendo sem querer. eu não sirvo pra você, não, então não me deixe tomar seu sangue. aqui, tome o meu. não me deixe tomar seu sangue: tome o meu.
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"... como é diferente ver e trabalhar em outro lugar; você vê e pensa: mais tarde -. Aqui é quase o mesmo. Você volta: isto não é nada espantoso, nada notável, nada estranho: não é sequer um momento festivo; pois este já seria uma interrupção. Isto aqui, porém, toma você e prossegue com você, e segue assim em direção a tudo, no meio e através de tudo, do ínfimo e do grande. Tudo o que foi ordena-se de outro modo, alinha-se, como se alguém estivesse ali comandando, e o presente está com toda a insistência presente, como que de joelhos rezando por você ..."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)

21 de dezembro de 2003

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vou ali na esquina e volto depois do natal. espero que o de vocês seja menos trevas que o meu. fui.

18 de dezembro de 2003

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e a inércia. a inércia.
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everything is so depressing right now, so bloody depressing. so so so bloody depressing.
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o rio já teve invernos mais quentes que esse verão que se aproxima. para cada dia de sol, são cinco, seis de chuva. nada contra, tudo contra. estou deprimida e chegar em casa com a franja colada na testa e tremendo feito pinto molhado não ajuda, nunca ajuda. parece londres sem os ônibus de dois andares, sem o tâmisa, sem piccadilly circus, sem os ingleses. é londres sem o charme. depressing, so bloody depressing. e a demanda, céus, a demanda. é sempre assim, quando você não pode oferecer nada, não tem condições de oferecer nada. é sempre então, invariavelmente então que mais exigem de você. então tudo que normalmente exigiria muito de você exige muito mais de você, e tudo é mais árduo, e tudo é mais penoso, e tudo arranca mais sangue. e murphy não dá trégua, não dá, não dá. e por que tinha que chover hoje, meu deus, por quê, meu deus? deus.
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"O preço da criação literária seria mesmo o sofrimento? Penso na minha experiência e lembro que justamente nos instantes mais agudos das minhas atribulações eu não consegui escrever uma só palavra. Mesmo depois, na convalescença, se tinha a vontade, faltava a energia, o movimento era apenas da alma. Olhava para a minha mesa como alguém com sede fica olhando um copo d'água: quer beber mas fica rodeando o copo, faz outras coisas na frente e embora pense o tempo todo na água, não faz o gesto essencial para tomá-la. Não sei dizer se os frutos colhidos mais tarde (alguns até doces) teriam vindo dessa figueira brava."

(Lygia Fagundes Telles, in A Disciplina do Amor)

17 de dezembro de 2003

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é, não tá rolando. fim de ano é sempre uma merda pra todo mundo, ou o karma é só meu?

16 de dezembro de 2003

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pois então, eu não sou simpática. não tento ser simpática. não sei ser simpática. algo soa falso, como se cantando eu tentasse atingir uma nota para a qual minhas cordas vocais não têm tino, como se desafinasse, e desafinasse feio. mas em meu favor, digo que eu já tentei, juro que tentei. não tem jeito. não sou gratuitamente legal. não sou falsamente efusiva. não faço social pela social. PAVOR da social, aliás.

ou seja, se eu sou um nojo com você, não é nada pessoal, não é por querer, entenda: é assim com todo mundo. e se eu não sou, então agradeça aos céus e ao bom jesus, você é um dos escolhidos pelo senhor. escolhidos do melhor jeito possível: com absoluta aleatoriedade. não que isso conte para alguma coisa. não faço muita diferença na vida de ninguém, sério. pra vocês, tanto faz. quem está ou não na minha vida em geral só faz diferença pra mim mesmo.

mas só disse isso porque sei que a maior parte das pessoas que conheço me tolera pela frente, e me descasca pelas costas. também não faz muita diferença pra mim. só sinto uma coceirinha, um incômodo muito muito vago, de tanta energia negativa que me dirigem. a vida é isso, não dá pra agradar a gregos E troianos. mas desagradar, ah, sim, isso dá. e ainda dá pra cuspir na cabeça dos espartanos, só de brinde. como sou perfeccionista, oito ou oitenta, desagrado. chuta o balde aí, que eu mando pro gol.

mas sabem que no fundo no fundo eu sou gente boa? juro que sou. mamãe sempre diz isso, minha filha, no fundo no fundo você é gente boa. mas bem no fundo. bem, beeeeeeeem no fundo. e mamãe não mente. ou mente?

15 de dezembro de 2003

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penso em tudo que desejo dizer-te, assim mesmo, tu, mesmo que depois logo depois eu comece a te chamar de você, quem liga pra concordância adequada? dizer-lhe é tão formal, tão absolutamente impessoal, depois da cama não dá pra pensar em dizer-lhe, é dizer-te mesmo. pois então, penso no que queria dizer-te assim desse jeito, sem muita corcordância ou coerência. e quero dizer tudo, e repetir tudo, o tempo todo, o tempo todo, mesmo que o custo de dizer tudo que sinto o tempo todo seja banalizar aos seus ouvidos o tudo que sinto. mesmo que o custo de dizer tudo que sinto o tempo todo seja anestesiar você para a percepção do tudo que sinto. mesmo assim? não sei. gostaria que minhas palavras tivessem o mesmo peso da primeira vez, mas palavras são só palavras e nada tem o peso de uma primeira vez. ou tem? a verdade é que é a primeira vez o tempo todo. e por isso dizer o tempo todo, porque a coisa me atinge o tempo todo, o que sinto me atinge o tempo todo pela primeira vez, porque um homem não entra duas vezes no mesmo rio, porque tudo o que sinto me atinge num instante e eu sou uma, e no instante seguinte tudo o que sinto (perceba, já é outro tudo) me atinge e já sou outra. sou outra, o rio é outro, você é outro, tudo é outro, e digo de novo pela primeira vez. e você não ouve desse jeito, sim, claro, você identifica os padrões e os vê repetidos e repetidos e repetidos, você funcionário, eu bailarina, um passo de dança nunca é o mesmo passo ainda que haja uma coreografia qualquer. mas são só aparências, são só palavras. perceba. o tudo é outro. eu sou outra. não estou me repetindo. nunca estou me repetindo. porque palavras são só palavras e o instante é outro. encoste a mão no meu peito, sinta: o que sinto é isso e o instante é outro. sempre outro. e amo você. e são as mesmas palavras. e não estou me repetindo. o instante é outro.

11 de dezembro de 2003

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"As imagens transbordam fugitivas
E estamos nus em frente às coisas vivas
Que presença jamais pode cumprir
O impulso que há em nós, interminável,
De tudo ser e em cada flor florir?"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, escritora portuguesa)

10 de dezembro de 2003

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"Chegou hoje cedo o pacote de livros que encomendei. Deixo o pacote fechado. Chegaram livros pelo correio. Levo-os à prateleira da estante onde está uma pequena pilha, aguardando a vez. Recolho na minha mesa as cartas e os convites que um dia vou responder e guardo-os numa pasta. Fecho a porta para o telefone. Fecho a minha porta e fico quieta no silêncio. A respiração calma. Não sei se quero escrever mas talvez queira. Aos poucos, varando paredes e telhados começam a chegar os cantos das sereias e alguns desses cantos são fascinantes, nem posso dizer que os reconheço porque estão sempre se renovando em cada onda, em cada brisa. Penso em Ulisses e faço como ele, não tapo os ouvidos com cera porque quero saber, mas me amarro com cordas ao mastro do navio enquanto se multiplicam os doces chamados tentando me desviar desta aventura. Sinto mais agudo o prazer do risco ao descobrir como tudo conspira (a palavra é essa, conspira) para me afastar da minha rota. Cravo o olhar na rosa-dos-ventos, mais intensa a ansiedade que cresce com os apelos mas sob a ansiedade a profunda alegria por estar conseguindo."

(Lygia Fagundes Telles, in A Disciplina do Amor)
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hoje isso aqui faz um ano. foi a primeira vez na vida em que deixei registro escrito do quanto tudo muda em um ano. tudo muda em um ano. le temps détruit tout, le temps révèle tout.

vamos ver se chegaremos ao segundo ano.

8 de dezembro de 2003

BTW

tenho me achado meio repetitiva ultimamente, sem escrever o que preste. normal, normal. quiapouco a coisa melhora. enquanto isso, aturem.
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< limaozinhomode >

é fato, tenho pavor mortal de tudo aquilo que seja muito babado. pode ser um livro, uma banda, um blog, não interessa. se uma ou duas pessoas que conheço falam bem de algo, tudo bem, fico curiosa, penso, é, vou conferir. se foram três, quatro, cinco, desconfio. mais que isso, corto da lista e não chego perto. tenho um problema com O hype. por isso ainda não parei pra ouvir los hermanos, por exemplo. por isso ainda não tentei e nem tentarei ler proust no futuro próximo (cospe pra cima, isso, vai). o hype, o hype.

há certos livros e autores cuja leitura as pessoas apresentam como credenciais. proust, nietzsche, dostoievski. um monte de outrosm, sim, but you see my point. talvez seja ponto a favor que o nome tenha quinhentas mil consoantes, quanto mais consoantes melhor. usam como um ingresso pra alguma espécie de vip area caída, o cara te diz, veja bem, já li fulano de tal, sou um iniciado. e você, nunca, né? leia, assim você vai entender isso que estou te dizendo, e pá, tapinha condescendente na sua cabeça. e dá-lhe orelha de livro pra sustentar o name dropping. quanto a mim, desses aí que citei, já li dostoievski e nietzsche, mas eu era muito nova e lembro de lhufas. dostoievski passou em branco, mas lembro que gostei de nietzsche. duvido que tenha entendido 5% do que estava escrito (como disse, eu era nova, muito nova, pequenininha lá em barbacena), e mesmo aquilo que possivelmente tenha entendido, certamente já esqueci. não lembro de livros que li ano passado, aliás. tudo me foge: o que leio, principalmente. a não ser aquilo que me marca com fogo, no sangue. tenho um imã de geladeira que me diz, todo dia de manhã enquanto tomo café: um bom livro deixa cicatrizes. o imã atribui a frase a alguém chamado gilberto dupas, de quem, confesso, nunca tinha ouvido falar antes. talvez por isso tenha vontade de descobrir se ele escreveu alguma coisa. googlarei mais tarde. talvez ele seja vivo, talvez tenha um blog, ultimamente todo mundo tem blog mesmo.

blogs, aliás, são um caso à parte. babação maciça. tenho medo de ler comentários em alguns blogs (como nesses dois, por exemplo - e nada contra os autores, que, inclusive, eu mesma leio e babo de tempos em tempos, mind you). sistemas de comentários deveriam ser abolidos nesse tipo de blog, parece que ninguém sabe admirar ninguém em silêncio, céus. e não sei como eles não deixam essa coisa de blogueiro superstar subir à cabeça: o cara posta, sei lá, uma vez por dia, tem uma média de trinta, quarenta comentários por dia, sendo que metade são coisas do tipo "aê, cara, tu é muito foda" e "pô, perfeito teu post, queria escrever tão bem quanto você". MEDO. não, não é inveja, antes que digam: acho que eu entraria em desespero se o mesmo corresse por aqui. é que é irritante. você lê um post legal, fecha os olhos e quase com medo abre a caixinha de comentários pra ver se alguém apresentou alguma colocação interessante sobre o tema, e tudo que você vê é, surpresa!, péla-saquismo. mesmo que você tenha gostado do que leu, começa a pensar, putz, também não é pra isso. o cara espirra, e todo mundo diz amém? não não não.

e, de novo, ainda bem que não é assim aqui. ainda bem que são poucos os que me lêem, e ainda melhor que é infinitamente mais ínfimo o número de leitores que se preocupa em eventualmente, muuuuuuuuito eventualmente, comentar. e quem dirá me mandar um e-mail, me catar pelo icq, nossa. não que o blog não tenha me ajudado a interagir com gente muito, muito interessante, mas putz... imagina a horda de fãs que não deve viver atrás do alexandre, por exemplo? gente que deve procurá-lo por status, pra dizer pros outros, é, pois é, conheço o alexandre, aquele do blog, é, ele é escritor, saca, somos unha e carne, o cara manda muito, cê já leu o blog, dá pra ver por ali, né? nãaaaaaao. meu autismo social agradece meu diminuto e pouco entusiasmado público. valeu, galera. me ignorem mesmo, isso é que é o quente.

acho que é como minha avó dizia, a gente fala mal na cara, fala bem pelas costas. odeio babação. quanto a mim, raramente estou no humor pra deixar um comentário onde quer que seja. até aqui, às vezes. criticando, elogiando, whatever. calo a boca se não tenho nada de minimamente relevante pra dizer. melhor dizendo, eu tento, juro que tento. pelo menos se estou dizendo algo para alguma outra pessoa. o que escrevo aqui é outro papo: nada de muito relevante, porque é pra mim. e se vocês estão lendo, problema de vocês.

ok, é isso. papas de volta à lingua.

< / limaozinhomode >
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desbravar caminhos através do meu abismo para adentrar o seu, será que posso? será que sou capaz de sair de mim mesma para alcançá-lo? abrir sulcos na infinidade de fios a que estou presa, onde estou emaranhada, em que estou imiscuída embaraçada amalgamada. seria necessário me libertar de mim mesma para ir ao seu encontro, e se for? será que eu posso? será que poderei um dia? e sei que não, e sei que estou perpetuamente acorrentada a mim mesma, sei que é essa toda a fonte da minha angústia. sei que não haverá iluminação santidade nirvana para mim. não há nirvana para mim, não há não há. e me debato nos fios de mim mesma, e mais ainda eles me travam me sufocam me aprisionam. e ainda assim me debato. sempre e apesar de tudo. sempre me debato.

7 de dezembro de 2003

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há algo entre uma coisa e outra coisa, eu percebo, sim, percebo. agora percebo. e esse algo é a um só tempo mínimo e infinito, interminável, imensurável, tudo é insignificante e imensurável nesse mundo de microscópios de telescópios de espaçonaves, as grandes distâncias inexistentes, as mínimas distâncias insuperáveis. um mundo atravessável em menos de um dia, mas a distância que existe no espaço entre dois corpos, ah, isso o insuperável, o abismo. o impossível de mergulhar no abismo que é o outro, há abismos entre abismos. e abismos não se atravessam, eu percebo, sim, percebo agora. abismos são respeitados, nos encaramos nos olhos, e nesse olhar nos reconhecemos como adversários à altura. nesse olhar reconhecemos a inutilidade da batalha. e nos respeitamos. insuperável a distância entre dois corpos, por intenso que seja o gozo, por intensa que seja a dor. há algo, sempre algo, entre você e eu, eu percebo, sim, percebo. agora percebo.
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"Se me quiserem amar, terá de ser agora:
depois, estarei cansada
Minha vida
foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e fixo:
assim garanto a minha sobrevida.
Se me quiserem amar, terá de ser hoje:
amanhã, estarei mudada."


(Lya Luft, escritora brasileira)

4 de dezembro de 2003

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"Somente o poeta juntou as ruínas
de um mundo desfeito e de novo o fez uno.
Deu fé da beleza nova, peregrina,
e, embora celebrando a própria má sina,
purificou, infinitas, as ruínas:

assim o aniquilador tornou-se mundo."

(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)

2 de dezembro de 2003

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"(...) É preciso reconhecer a importância da baba, a que escorre enquanto você dorme no sofá e que, depois de acordar, tenta limpar da almofada. O tédio é uma emoção cardeal. Só quem submerge no seu visgo vive.

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Quem diz que ama a vida não entende nada, absolutamente nada. Ora, o que é a vida senão o que se nos apresenta nas horas mortas em que, deitados, observando a brancura do teto, a teia de aranha em um dos cantos, o pontinho preto, resíduo de uma perna de mosquito morto no ano anterior, sentimos o coração pulsando para nada, em sincronicidade com a barra de inserção do editor de textos?

Eles acham que amam a vida, mas amam a outra coisa: o que colocam no lugar dela,

o movimento, as ocupações, o ruído e as ações,

para esquecer da profunda repulsa que sentem por ela. (...)"


(Marcelo Rota, do blogauti, sempre ele. o nome do post é QUEM AMA A VIDA NÃO ENTENDE NADA, assim, em maiúsculas. linkaria direto, mas não dá. aliás, tenho citado poucos blogueiros, é o que parece.)
...

"Um deus o pode. Mas, diz-me, poderia um
homem acompanhá-lo na lira acanhada?
Sua mente é discórdia e nas encruzilhadas
do coração Apolo não tem templo algum.

O canto, como o ensinas, não é o querer
nem busca do que quer que seja de atingível.
Cantar é existir. Para o deus, tão factível.
Mas nós, quando é que
somos ? Quando ao nosso ser

dará
ele de volta a terra e as estrelas?
Não
é o que amas, jovem, mesmo que forçasse
a voz em tua boca. Aprende a esquecê-las,

tais canções. Elas passam, frutos do momento.
O cantar em verdade de outro sopro faz-se.
Um sopro de nada. Um alento em Deus. Um vento."


(Rainer Maria Rilke, escritor alemão)