27 de março de 2004

FITTER HAPPIER

nesse meio tempo? tive dengue fiquei sem computador extrai dois cisos voltei a malhar parei com os refrigerantes reduzi drasticamente a cafeína. emagreci. venho dormindo melhor lendo muito escrevendo pouco tomando antibióticos e suplementos alimentares e homeopatia praticando ioga vendo amigos menos do que gostaria. ando mais pra cima que pra baixo, e isso deve ser bom, tem que ser bom. mas ando mais pra dentro que pra fora, e a gente deve respeitar o próprio fluxo, tem que respeitar o próprio fluxo. então ando pra dentro lendo muito escrevendo pouco em abstinência de café. fitter, sometimes happier, sometimes not. e, apesar do radiohead do título, a fase é de morphine. talvez seja o universo fazendo trocadilhos.

4 de março de 2004

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está feito o diagnóstico: entrei a pleno vapor em mais um dos momentos de profunda introspecção que sempre seguem meus momentos de explosão. a sensação de que há sempre algo impronunciado e impronunciável. o essencial indissociável de uma incomunicabilidade impenetrável. a ausência de qualquer impulso para estender a mão na direção do outro, de qualquer outro. a incapacidade para ostentar reação diversa de escapar, escapar, escapar. para fazer algo que não seja tecer o casulo ao meu redor e me esconder nele. talvez seja só que a fase é problemática, talvez seja só que estou meio adoentada, talvez seja só que as tarefas não cessam. mas os sintomas são esses, estão todos aí. construo o casulo, escapo, me escondo. me faço casulo sem ter idéia de quando e se sairei borboleta dele.
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"não sei mais conviver com as pessoas. Tenho medo de uma casa cheia de pais e mães e irmãos e sobrinhos e cunhados e cunhadas. Tenho vivido tão só durante tantos (...) anos. Devo estar acostumado.

Dormir 24 horas foi a maneira mais delicada que encontrei de não perturbar o equilíbrio de vocês - que é muito delicado. E também de não perturbar o meu próprio equilíbrio - que é tão ou mais delicado.

Estou me transformando aos poucos num ser humano meio viciado em solidão. E que só sabe escrever. Não sei mais falar, abraçar, dar beijos, dizer coisas aparentemente simples como 'eu gosto de você'. Gosto de mim. Acho que é o destino dos escritores. E tenho pensado que, mais do que qualquer outra coisa, sou um escritor. Uma pessoa que escreve sobre a vida - como quem olha de uma janela - mas não consegue vivê-la.

Amo vocês como quem escreve para uma ficção: sem conseguir dizer nem mostrar isso. O que sobra é o áspero do gesto, a secura da palavra. Por trás disso, há muito amor. Amor louco (...); amor encabulado (...). Mas amor de verdade. Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito. É muito difícil ficar adulto."


(Caio Fernando Abreu, em carta a seus pais. essa carta me lembrou uma pessoa. também me lembrou de mim mesma.)
A FACE DE DEUS É DE VESPAS

"Queremos ser felizes.
Felizes como os flagelados da cheia,
que perderam tudo
e dizem-se uns aos outros nos alojamentos:
'Graças a Deus, podia ser pior!'
Ó Deus, podemos gemer sem culpa?
Desde toda a vida a tristeza me acena,
o pecado contra o Vosso Espírito
que é espírito de alegria e coragem.
Acho bela a vida e choro
porque a vida é triste,
incruenta paixão servida de seringas,
comprimidos minúsculos e dietas.
Eu não sei quem sou.
Sem me sentir banida experimento degredo.
Mas não recuso os marimbondos armando suas caixas
porque são alegres como posso ser,
são dádivas,
mistérios cuja resposta agora é só uma luz,
a pacífica luz das coisas instintivas."


(Adélia Prado, escritora brasileira)