30 de abril de 2004

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"Basta de poemas para depois...
Ó Vida, e se nós dois
Vivêssemos juntos?"


(Mário Quintana, escritor brasileiro)

28 de abril de 2004

28 DE ABRIL

estivemos juntos antes de ontem. não fizemos muito, chegamos em casa, ele abriu as janelas, insistiu que eu comesse alguma coisa. não comi. nos deitamos. ficamos deitados na cama algum tempo antes de dormir. não lembro se falamos muito, ou pouco, ou nada. mas lembro temer que as mãos dele fossem brutas demais para me tocar sem me ferir, eu estava tomada por uma fragilidade ímpar, anjos e demônios e bruxos e nervos e feridas e cicatrizes e memória, céus, tanta memória à flor da pele, tanto tudo à flor da pele. tudo exposto. toda exposta. mas interagimos. interagimos. vagarosa. cuidadosa. delicadamente. em câmara lenta. rimos um pouco. talvez eu tenha chorado um pouco. falamos muito. ou pouco. ou nada. apenas nos deitamos. e permiti que ele me tocasse, no auge na fronteira no limite, no exato limite de toda minha imensa fragilidade. naquele ponto em que um passo em falso pode ser a diferença entre o orgasmo, o homicídio. depois caímos no sono. quase sem perceber.

tem sido assim desde que começamos. em câmara lenta. vagarosa cuidadosa delicadamente. rindo um pouco. chorando um pouco. testando limites, todos os limites, os meus, os dele. os meus. meus limites, todos eles. toda a minha fragilidade. e (pasmem) por vezes venho me descobrindo forte perto dele.

e sinto sinto sinto em tudo. em mim. em mim. em mim. sinto: é como deve ser. me deixo tocar.

27 de abril de 2004

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percebam que no post abaixo eu tomei o que escrevo como literatura. aham. espero que tenha sido um lapso.

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mas não deixei de sentir nesse meio tempo. ainda tenho no peito essas catástrofes. é só que as catástrofes que tenho no peito não saíram do peito nesse meio tempo. mas catástrofes há, catástrofes haverá sempre, o inferno é este, que catástrofes não deixam de haver.

caio f. criticou em carta o suicídio de ana c., um absurdo, logo ela que tinha nas mãos a literatura, esse grande instrumento para lidar com o caos com o medo com a dor. e vocês sabem, sou fã-mor de caio f., mas, na boa, e literatura lá é instrumento pra lidar com alguma coisa? não dói menos porque escrevo. só registro o que dói quando escrevo. não deixa de existir a dor. não diminui a dor. não acalenta. não consola. nunca consolou. digo o que digo porque não consigo deixar de dizer. não diria, fosse esta uma escolha.

acho que seria ana c. se ela ainda respirasse e andasse na talvez vã tentativa de evitar o suicídio. é isso pra mim, uma imensa tentativa de evitar o suicídio, de andar, continuar andando. o que escrevo não me dá as forças de que preciso para andar. o que escrevo são tão somente as pegadas que deixo enquanto ando.
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talvez seja a sensação do espreitar de olhos. talvez seja que não me sinto mais segura aqui. porque sei que ando medindo o que tenho a dizer antes de dizer, e enquanto meço o que tenho a dizer me foge e vira não dito. vira aquele pensar o fluxo que atravanca o fluxo. o pensar que não é fluxo. que vira rolha. a consciência do processo que se transmuta em obstáculo ao processo. se o processo está medularizado, não precisa chegar nos neurônios, não pode chegar nos neurônios. é automático, tem que ser automático. não é não sendo automático. não é. ou é?

ou talvez não. talvez seja a percepção de que o terreno é minado, cada palavra que deixo cair aqui pode detonar bombar arrancar pernas braços vidas almas. minhas, dos outros. minhas. não deixo palavras caírem. há olhos à espreita. há quem leia. há quem ouça. então, isso, premissa maior, há quem ouça. premissa menor, talvez eu não queira ser ouvida. conclusão, não digo. não sou ouvida. não digo. seria isso?

náusea seca que se revolve.

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o tempo todo é isso, esse algo a ser dito, nunca dito, no estômago, na garganta, na ponta da língua: e volta. tento colocar pra fora, enfio o dedo na garganta. não sai. não vira verbo. como se abrisse os olhos e visse e o visto sumisse antes que sua imagem se formasse. como se ficasse o contorno, a sombra, o vulto. o fantasma, juro que vi, tenho certeza que vi. eu juro. está aqui, acho. fermentando. no estômago.

estou tentando voltar, porque não quero ficar com essa náusea seca a vida toda. mesmo. mas o tempo todo que quero dizer me escapa pelas frestas entre os dedos enquanto tento detê-lo.



"Tu te abres como uma flor…
E
depois
o nosso olhar é límpido como as águas de um regato...
E distanciadamente falamos do mundo com todos os seus inclusives:
conflagrações, boatos, ataques, surpresas, compromissos...
E todas essas coisas atrozes são poemas a nossos ouvidos."


(Mário Quintana, escritor brasileiro)

6 de abril de 2004

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"I have found where I fit. I love him, and yet I am not blind to the elements in us which clash and ou of which, later, will spring our divorce. I can only feel the now. The now is so rich and tremendous. As Henry says, 'Everything is good, good.' "

(Anaïs Nin, em Henry and June)
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"I asked Eduardo, 'Is the desire for orgies one of those experiences one must live through? And once lived, can one pass on, without return of the same desires?'

'No,' he said. 'The life of freed instincts is composed of layers. The first layer leads to the second, the second to the third and so on. It leads ultimately to abnormal pleasures.' How Hugo and I could preserv our love in this freeing of instincts he did not know. Physical experiences, lacking the joys of love, depend on twists and perversion for pleasure. Abnormal pleasures kill the taste for normal ones.

All this, Hugo and I knew. Last night when we talked he swore that he desired no one but me. I am in love with him, too, and so we let the issue lie in the background. Yet the menace of those wayward instincts is there, inside of our very love."


(Anaïs Nin, em Henry and June)

2 de abril de 2004

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"My journal breaks down, because it was an intimacy with myself. Now it is interrupted constantly by Henry's voice, his hand on my knee."

(Anaïs Nin, em Henry and June)
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percebo que gosto de alguém quando não ligo a metralhadora giratória. quando até poderia ligar. mas não ligo.