11 de agosto de 2004

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queria aprender a amar em silêncio, parece que não sei fazer mais nada em silêncio. amar deveria ser algo feito em silêncio. depois do primeiro eu te amo bradado aos sete ventos, o ar de novidade desaparece, depois do décimo, amarga-se a rotina. e eu brado cem, mil, dez milhões, tantas tantas tantas vezes. queria aprender a sentir em silêncio, a gemer em silêncio, a gritar em silêncio. queria aprender a não bradar, a não dizer, a não desnudar a alma a cada relance. queria aprender a amar sem palavras suspiros olhares. mas eu me desmancho me desfio me desfaço em brados discursos olhares suspiros palavras, tantas tantas palavras que não precisariam, que não deveriam. em nudez, em tanta nudez, em tão completa despudorada indefesa nudez. não sei fazer de outra forma: me desfaço. me faço. me desfaço. queria aprender a fazer diferente, a amar em silêncio, eu deveria amar em silêncio, e manter o mistério, e não me manter tão tão nua o tempo todo. eu deveria me manter em segredo. eu deveria me manter em silêncio.
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ando tentando desesperadamente mudar, desesperadamente tentando me manter a mesma. quero desesperadamente ser aquilo que querem que eu seja, mas esse querer é distante disforme difuso. estendo a mão na direção dele, quase o pego, e ele se afasta mais um pouco. de novo. e de novo. e de novo. e nada de novo: quando eu for o que desesperadamente quero ser, o que desesperadamente querem que eu seja, então quererão desesperadamente outra coisa, e eu quererei desesperadamente esta mesma outra coisa, e outra, e outra, e mais outra, e então. então. nunca serei o que querem de mim, nunca serei o que quero de mim. então. resta o que sou porque desesperadamente tentar mudar não me basta. então. só me resta o que sou. permaneço a mesma então. desesperadamente. enfim.

2 de agosto de 2004

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é como se eu jejuasse. falta música, falta poesia, falta lirismo. falta porque não estendo a mão na direção de nada disso. está tudo fechado na estante. sinto. falta. mergulho no silêncio. como se eu jejuasse.
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"coração
PRA CIMA
escrito embaixo
FRÁGIL"

(Paulo Leminski. comprei outra antologia de poemas dele esse fim de semana, na falta de uma das muitas edições originais que não tenho. cada vez me revolto mais com a escassez de coisas interessantes no mercado editorial brasileiro. paulo coelho, deus nos proteja, a gente encontra em qualquer lugar.)