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algo assim, estar mergulhada de silêncio. observar os espaços que existem naquilo que se diz, que digo, observar os espaços. recebê-los. não é bem aceitá-los, que aceitar é de uma arrogância sem fim: como se me coubesse rejeitar. não cabe. mas é abrir o peito, não deixar o peito espernear com eles. é reconhecer que se está no meio deles, que na verdade são eles e não você, eu, o que prevalece. é você, eu, que está por aqui de visita, é você, eu, que está por aqui de favor. sou eu. é se reconhecer, me reconhecer, como som num universo que é só silêncio. e nem é que você, que eu, seja som, propriamente: parecemos ser, achamos que somos. não é bem achar, que achar é de uma arrogância sem fim: como se me coubesse achar. mas é ser incapaz de se perceber como algo que não seja som. é ser, sou, incapaz de se, me, perceber como o que é, sou. que é esse silêncio. esses silêncios. esses espaços entre aquilo que se diz, que digo, porque nada é dito, não existe som. é se reconhecer como um som que no fim vai virar silêncio, sempre foi, as coisas na eternidade acontecem todas ao mesmo tempo, a eternidade desconhece tempo. é se reconhecer num som que é silêncio, que sempre foi silêncio, mas que pra gente ainda vai virar silêncio, porque achamos que - somos incapazes de perceber que não - existe tempo. é se perceber num som que começa, grita, fica mais suave, vira fala, fica mais suave, vira sussurro, fica mais suave, não fica. não fica: vira silêncio. é se perceber num rio que vai afinando. afinando. afinando. de afinar desaparece. desaparece. vira nada sem virar porque sempre foi nada sem precisar virar. pra gente vira. é observar os espaços entre os ditos, os ditos virando os espaços entre os ditos. prevalecendo, prevalecendo, prevalecendo. até que não reste dito. não reste nada, eu, você. nada. só reste espaço.