11 de setembro de 2008

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he said
you call it crazy
i call it life
and i smiled
for a change
knowing it to be sweet & true & so very much alive
as i was living it
as i am loving it
instead of leaving it
for a change
i call it crazy sane
loving instead of leaving
living instead of leaving
living
instead
for a change

26 de agosto de 2008

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de minha melancolia sei dizer muito bem. arquiteto largas estruturas em linhas firmes e cores berrantes tracejo em minúcia artesanal detalhes e sutilezas misturo incansavelmente tons e meios tons e meios meios tons e meios meios meios tons até encontrar a cor exata, a textura certa. minha melancolia eu pinto e repinto incansável. minha melancolia eu exibo. despudoradamente. penduro na testa. distribuo panfletos. colo cartazes. anuncio em outdoors.

mas.

de minha alegria.

para dizer de minha alegria me sinto analfabeta. é que alegria é assunto novo, para ela ainda não tenho linguagem. é que alegria eu ainda estou aprendendo. é que alegria ainda estão me ensinando. para ela ainda não tenho palavras. mesmo porque parece palavrão. indecente dizer de alegria em universos delimitados em asfixia por suicídios, corações partidos, estômagos vazios, licitações fraudadas.

mas.

o agora é alegria. profunda. indecente. de que não sei dizer, não ouso dizer, não quero dizer. pensei agora, que estar genuína e plenamente alegre é a mediocridade suprema, que estou certa de ser genuína e plenamente alegre porque em meio à alegria genuína e plena a mediocridade suprema é supremamente irrelevante.

não. é mentira. a alegria é rara. a alegria é rara. a alegria é rara. eu saberia.

a alegria é rara e eu aprendo indecentemente a alegria. à medida que aprendo ganho linguagem para ela. enquanto isso: sorrio em silêncio, aprendendo em quietude diligente que sim, há possibilidade de alegria em universos asfixiados suicidas partidos vazios fraudados. há realidade na alegria. sorrio sem saber dizer. redescobrindo a alegria que há em não saber dizer.

indecentemente me alegro. alegre-se comigo. sorrio. sorria comigo.
sorria.

7 de julho de 2008

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vislumbres de doçura pela janela. cheiro de manjericão porta afora. me disse. me disseram. me disse. seguir. doçura e aromas na mata. pouco compromisso. nenhum compromisso. pouco compromisso. me disse. me disseram. me disse. seguir. sem compromisso. sem chegada. ver onde levam. onde levariam. onde levam. doçura e manjericão. seguir. ver onde vai dar. me disse. me disseram. me disse. nada leva a lugar nenhum. lugar nenhum vai dar em nada. então. pouco compromisso. nenhum compromisso. pouco compromisso. ver lugar nenhum onde nada vai dar. ver onde vão dar doçura e manjericão. ver onde dão.

caminhada pretendida breve e inocente. doçura e manjericão guiaram os primeiros passos. depois. meus pés. meus pés guiaram os passos. meus pés. deixei que meus pés me guiassem. pés mercurianos, os meus, mente própria e tarefas a cumprir. pés mercurianos, os meus, não conhecem caminhadas sem destino. há sempre um destino. há sempre o destino. pés que chegam. pés que sempre chegam. pés chegaram.

foi que me vi. de outra feita. diante dos portões. a grande região inferior. talvez não tenham sido os pés, não posso culpá-los. a verdade é. advertidamente. inadvertidamente. advertidamente. me encaminhei. fui encaminhada. me encaminhei. em plena caminhada pretendida breve e inocente. a verdade é. postada me encontrava. postava me via. de outra feita. diante dos portões.

e. de imediato. os portões se abriram. de imediato. ficou claro. me esperavam. nenhum propósito adiar a entrada. imaginava. tão logo atendesse o chamante. tão logo atendesse o chamado. tão logo o chamado estaria atendido. tão logo teria atendido o chamado. eu recruzaria os portões. eu retornaria. nenhum propósito adiar a entrada.

e. de imediato. reconheci os rios. os rios me reconheceram. todos os rios. ódio. dor. lamentação. sofrimento. angústia. combustão. esquecimento. imortalidade. reconheci a topografia. velha amiga. velha inimiga. a topografia me reconheceu. a topografia me esperava. o mapa já gravado a ferro no peito. a topografia não me impediu o ingresso.

e. de imediato. reconheci o barqueiro. o barqueiro me reconheceu. o barqueiro me esperava. o barqueiro pareceu feliz. não me cobrou moedas. o preço do barqueiro já estava pago. o barqueiro não me impediu a travessia.

e. de imediato. reconheci o cão de três cabeças. o cão de três cabeças levantou as três cabeças. me reconheceu. o cão de três cabeças me esperava. o cão de três cabeças não me fez festa. o cão de três cabeças não me impediu a passagem.

e. de imediato. desci.

depois disso. depois disso. depois disso. depois não me permitem dizer. de ódio de dor de lamentação de sofrimento de angústia de combustão de esquecimento de imortalidade. não me permitem dizer. de todo o fluxo. não me permitem dizer. de nada me permitem dizer. de quase nada me permitem dizer.

mas. de que posso dizer. de tempo. o tempo no inferno o tempo. inferno o tempo no inferno do tempo. o tempo. inferno. milênios cabem em segundos. velocidade. vertigem. vertigem ao redor da vertigem. ao redor da vertigem. ao redor da vertigem. ao redor. eternidade. tempo imóvel. segundos transmudam-se em milênios. zilênios. éons. círculos. um ao redor do outro ao redor do outro ao redor do outro.

de que posso dizer. de círculos. de velocidade. de imobilidade. centrifuguei. centripetei. entre eixos. de eixo a eixo. infinitamente lenta e veloz. subsônica. ultrassônica. atirada no extremo do movimento no centro. esmagada no extremo da imobilidade das paredes. arremessada. de extremo a extremo a extremo a extremo. a todos os extremos. de todos os extremos. girei. girei. girei. tantas voltas. tantas e tantas voltas. incontáveis trezentos e sessenta graus. um. mais um. mais um. mais um. mais um.mais um. mais um. mais. mais. mais. mais. mais. tantos. incontáveis. tantos. círculos. incontáveis. círculos. dizem que são sete. mentem. incontáveis. círculos. incontáveis. urgências. hemorrágicas. demoníacas. urgências. demônios. demônios. demônios.

de que posso dizer. de demônios. incontáveis. demônios. demônios me reconheceram. demônios me esperavam. demônios me olharam nos olhos. demônios me carbonizaram o corpo com o olhar. demônios me carbonizaram a carne com o olhar. demônios me carbonizaram a face com o olhar. e. eu. corpo carbonizado. carne carbonizada. face carbonizada. olhei demônios nos olhos. incontáveis olhos. sustentei olhos. incontáveis olhos. incontáveis demônios. face carbonizada. olhos firmes. firmes. firmes. eu. firme. firme. firme.

de que posso dizer. de demônios. demônios me reconheceram. demônios me esperavam. demônios me permitiram o trânsito. demônios me autorizaram a partida.

de que posso dizer. de trânsito. de retorno. desci. atendi o chamado. chamado atendido. trânsito. me permitiram. me permiti. e retorno. o cão de três cabeças levanta três cabeças quando passo de novo por ele, me reconhece, deita três cabeças. descansa, aguarda novos intrusos. o barqueiro me percebe ao longe, me reconhece, me concede travessia. não me banho no rio durante o percurso. não permito esquecimento. molho as pontas dos dedos. das mãos. dos pés. lavo a fuligem da face carbonizada. não me banho. não devo esquecer. não me permitem esquecer. não me permito esquecer. sem permissão não esqueço.

de retorno. pés mercurianos me guiaram a vinda. pés plutonianos me guiaram o trânsito. pés jupiterianos me guiaram a volta. e retorno. retorno. caminhada pretendida inocente seguindo doçura e manjericão.

mas. na verdade.

doçura não era doçura. manjericão não era manjericão. inocência não era inocência. inocência. que inocência. tudo se reconheceu. tudo sabia pra onde ia. tudo sabia que tudo vai dar em algum lugar. tudo sabia. todos sabiam. eu. eu sabia.

eu conhecia o caminho. o caminho me conhecia. eu conhecia todos. portões, paisagem, barqueiro, cão, demônios. eu conhecia todos. todos me conheciam. desde o início. desde o início. desde o início. eu soube. eu sabia. eu soube. desde o primeiro passo. desde antes do primeiro passo. desde antes de antes do primeiro passo. desde a doçura. desde o aroma esqueirando a janela. desde antes de doçura e manjericão. desde antes de antes de antes de antes. desde. sempre. desde sempre eu soube. eu soube. eu sabia. eu soube. seria. isso. porque. é. sempre. isso.

eu visitaria novamente a grande região inferior. demônios me carbonizariam a face. eu lavaria fuligem do rosto. eu retornaria.
eu soube. eu sabia. eu soube.
eu sei.
meus pés só conhecem destino.

retorno.

retornarei.

retorno.

17 de junho de 2008

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briga brigada por anos. ano vem. ano vai. ano vem. brigo. brigamos. ora feito espadachins. ora feito boxeadores. ora feito toureiros. ora. momentos em que a derrota afigurava-se dado de realidade, a contagem e apito do árbitro vã formalidade. momentos em que a vitória soava certa, já me enxergava sorrindo num pódio de medalha em riste. mas. ainda a briga. mudamos. eu. adversário. mudamos. mais luz no meu olhar. menos sedução no dele. mais sangue no ringue. meu. dele. algo mudou. ano vem. ano vai. ano vem. algo mudou. o sangue. agora. jorra. rios. rios. violência. impiedade. já fomos corteses. elegantes. costas dadas um ao outro para dez passos em protocolo britânico. agora. briga bruta. rija. seca. feia. envelhecemos. endurecemos. cheiramos a suor e sujeira e carne. cuspimos os dentes pulverizados da boca. estalamos os dedos. um a um. estalamos o punho. os punhos. brigamos.

1 de abril de 2008

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eu tinha cortes nos calcanhares. imagino. algo assim. cortes. pequenos cortes. havia pontos. havia uma ferida. havia que fechar a ferida. havia um curativo. depois de um tempo voltei ao médico, que removeu o curativo para feridas ainda maiores, calcanhares cobertos de sangue vermelho vivo, uma hemorragia que não cessava. o médico advertiu, se não fechar, será necessária uma cirurgia. vamos acompanhar. não acompanhamos. voltei depois, muito tempo, tanto tempo. sem saber muito bem por que tanto tempo. por que o médico não tinha cuidado de meus calcanhares. por que eu não tinha cuidado dos meus calcanhares. não cuidei. não fui cuidada. retornei. removidos de outra feita os curativos. meus calcanhares desagregados, putrefeitos, sangue vermelho escuro, feridas brancas, vazios de carne em dissolução e descolamento.
passei o dia taquicárdica do vazio putrefeito de meus calcanhares. olhando pra baixo, checando se ainda tinha pés. se ainda tinha calcanhares.
tenho.

31 de janeiro de 2008

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meu avô materno era ourives. faleceu no final do ano passado, deixou pra trás um filho morto, três filhos e esposa vivos, uma casa velha, algumas jóias de família. as que restaram, não se foram junto com anéis e alguns dedos depois de crises de petróleo, planos cruzados, cruzeiros e collores. em minhas mãos, na caixinha de jóias, no coração, restaram algumas. são poucas, singelas, de valor ínfimo. uns anéis, uns pingentes. outras, valiosíssimas. do tipo, o ensino universitário da minha mãe, que abriu caminho para o meu, para o do meu irmão. que abriu caminho para as coisas que tenho hoje, que sou hoje. que me tornei. do tipo (e essa jóia, exatamente, nem foi deixada pelo meu avô materno, mas me permitam a licença poética), o horizonte. esses valores. essa inteireza. essa verdade. essa sinceridade brutal, que me deixa um olhar ligeiramente, completamente, ensandecido e ensangüentado. sangue meu, sangue dos outros. sangue de todos.
daí que me dou conta. até pouco, muito pouco, pouquíssimo, tempo atrás, eu nunca tinha encontrado o mal. O MAL. digamos que eu vivia no olimpo, apesar do olimpo nunca parecer muito olímpico quando o olimpo é tudo o que se conhece. mas eu nunca tinha visto o hades. não, não é isso. o mal não é o hades, o hades é só um lugar pra guardar os mortos. o inferno, o inferno é só mais um lugar. o mal é o mal. eu, olímpica, solene desconhecida do mal, pensava, bah, não existe. exímia malabarista de discursos e de todos os relativismos possíveis. como se o mal fosse só uma invenção de alguém que quisesse dizer o que é um bem que também não existe, que quisesse me empurrar um bem que é mal goela abaixo feito xarope.
e não é. não é.
e é engraçado, parece ser o caminho inverso ao de todo mundo. ir ficando absoluta. ir vendo as coisas caírem, observando o que vai, o que fica. o que tem que ficar. o que não vai embora de jeito nenhum e passa a ser sua bússola. seu norte. as jóias de família que você não vende, não perde, não põe no prego. mas o mal.
o mal é aquilo que te embaralha, que te amputa horizontes, que usurpa nortes. que rouba as jóias de família que não se vendem. os alguns anéis que meu avô materno deixou. a educação universitária dos meus parentes. os valores. a inteireza. a verdade.
desci do olimpo justamente onde a humanidade provavelmente o encontra (o olimpo dos cegos deve ser lá onde ninguém enxerga nem vê). e o mal, esse ainda relativo desconhecido, ainda encoberto de infinitas meia luzes e muitas peles de cordeiro - ele se esconde e se esconde -, o mal quer me tomar a pessoa que me tornei. quer me arrancar essa sinceridade. quer me amansar e suturar o olhar, e me empurrar relativismos goela abaixo. feito xarope.
o mal quer, como quer, me amputar o horizonte.
o mal quer, como quer, que eu pense que ele não existe.
e eu.
eu não vou deixar.