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continuo doída, uma dor agora coagulada. vazia. aguardo o inevitável, a dor ser absorvida pelo cotidiano, o cotidiano escolher por mim o agora em diante, o caminho resolver aonde vai por si só. mas aguardo sem muita força pra reagir, pra lutar, quero ir sendo junto com as coisas até não mais precisar ser. deixei de reagir. que o caminho me leve para a solução que julgar melhor, não tenho mais força pra agonizar, pra reagir, pra gritar berrar chorar. pra querer morrer. querer morrer é um esforço descomunal, rejeitar a vida o impulso de sobrevivência o instinto primordial da espécie é um esforço descomunal hercúleo. lutar contra a veia mais forte da existência, lutar contra minha própria ânsia de autopreservação. esforço descomunal. e chega. não tenho mais força pra isso. ainda sangro uma lenta preguiçosa paciente hemorragia interna. e a dor agora me dói estática paralisada paralisante inexorável. o que dói cai sobre mim com a fatalidade do destino que é a personagem mais forte de qualquer tragédia grega. e minha dor cai sobre mim com o peso a pompa a solenidade daquilo que é trágico, daquilo contra o qual não quero não posso lutar. dou o braço para o destino e aguardo que ele me leve ao caminho mais adequado. não é assim que se faz, assim que deve ser? fé nas linhas tortas divinas. fé no universo. amar a vida quando ela te derruba, amar a vida principalmente quando ela te derruba. amar profundamente o seu algoz. meu único algoz é ela, a maldita. e eu não a amo de novo ainda mas não tenho mais forças para o sobre humano de rejeitá-la. não tenho. e dou o braço pra ela, ela vai me reconquistar em breve, eu sei, ela é irresistível e eu sou fácil. e em breve vou amá-la de novo. que jeito? minha capacidade de amar é testada a cada passo, e a cada passo é surpreeendente que eu passe. é o inacreditável.